Após o golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo, do Paraguai, o governo do Brasil se manteve durante algum tempo hesitante, antes de proferir uma morna declaração de crítica. Por sua vez, o governo argentino reagiu rapidamente e, entre os quadros do primeiro escalão do governo, alguém sugeriu a necessidade de aplicar sanções ao governo golpista, mas rapidamente a proposta foi “esquecida”.
O protesto ficou apenas num afastamento momentâneo do Mercosul, o que serviu para aprovar o ingresso da Venezuela, que estava obstruído pelo senado paraguaio. A Argentina não falou mais em sanções, e a presidente do Brasil advertiu que o afastamento do Paraguai do bloco deveria durar todo o período pré-eleitoral, e seu reingresso estaria sujeito à lisura das eleições.
É muito provável que as novas eleições sejam “limpas”, já que os únicos contendores, o Partido Liberal e o Colorado (conservador) são duas variantes de um mesmo projeto de sociedade patronal e colonizada, confrontadas apenas por sua competição na posse do butim. Não há diferenças de projeto, nem mesmo táticas, muito menos ideológicas, embora o Partido Liberal possua alguns ativistas próximos da esquerda, sem nenhuma representação.
A volta de Lugo é quase impossível, já que seu “impeachment” inclui a limitação de alguns “direitos civis”. Além disso, Lugo já tinha feito numerosas concessões aos militares, como declarar estado de sítio regional, tolerar os atos de violenta repressão policial, e até reclamar três refugiados paraguaios recebidos faz tempo no Brasil. Até a Polícia Federal Brasileira e a comunidade de inteligência se espantaram pelo pedido, pois, segundo informaram, esses refugiados tinham uma vida absolutamente normal e totalmente dentro da legalidade.
Lugo também negou enfaticamente a existência de negociações para criar uma base militar americana no Paraguai, apesar de que algumas pessoas (entre elas jornalistas brasileiros) puderam ver pistas para aviões e galpões que pareciam ter futuro uso militar. Que não sejam visíveis outros detalhes pode ser consequência da fechadíssima mata que cobre o distrito de Mariscal Estigarribia.
Recentemente, um grupo de cidadãos brasileiros publicou uma petição para pedir sanções contra os golpistas, e para reclamar contra a ingerência de ruralistas brasileiros que têm o poder feudal naquele submetido país. Vide.
Entretanto, é difícil que esta nobre inciativa avance, pois o estado brasileiro sempre foi inimigo das sanções contra estados ditatoriais ou neofascistas. O exemplo mais forte desta conivência foi a abstenção do representante brasileiro na histórica AG das Nações Unidas de 1962, quando se condenou a África do Sul por causa do apartheid.
O Brasil (tanto durante a ditadura, como durante as democracias) sempre preferiu vizinhos com governos instáveis e pouco consistentes, o que faz muito mais simples a manipulação diplomática. Nos países mais afastados, como o Sudão, o Irã ou a Síria, essa “neutralidade” cria a ilusão de permitir certa margem de manobra nas negociações com as grandes potências. Isto não passa de uma ilusão, mas alimenta a imagem internacional de Itamaraty.
Quanto à Argentina, após ter perdido as esperanças de disputar com seu poderoso vizinho o cetro do imperialismo regional após a derrota para o Reino Unido em 1982, parece consolar-se com um segundo confortável lugar na divisão do poder no subcontinente.
É óbvio que um bloqueio do Mercosul contra os golpistas tornaria difícil a manutenção da ditadura parlamentar. É grosseiramente falaciosa a propaganda de que todo bloqueio prejudica a população, como acontece especialmente em Cuba. Um bloqueio contra um governo fascista ou delinquencial fecharia a entrada de produtos que a população não consome, mas não de produtos vitais para (no caso do Paraguai) mais de metade que vive na miséria. Seria suficiente a existência de uma brecha humanitária, que abastecesse o país de alimentos e remédios.
O Paraguai é o mais atrasado, política e socialmente, dos pequenos países de todo o Continente (incluindo a América Central), e um bloqueio poderia ser usado até como oportunidade para enviar ao país doações que permitissem aliviar a ímpar e crônica miséria do povo, através de doações gerenciadas por organismos internacionais. Mas isso não interessa nem ao Brasil nem à Argentina, que tornaram o país inviável desde o século 19.