José do Nascimento Junior *
O desastre de Fukushima revela uma face perversa da atuação das agências reguladoras: a endogamia entre regulador e regulado. A ação da Agência Nuclear Japonesa apontava para níveis adequados de segurança. No entanto, segundo certos meios de comunicação daquele país, alguns dos atuais trabalhadores da empresa são ex-funcionários da agência, o que sugere um nível de proximidade nas relações que pode ter relaxado a fiscalização das atividades da usina nuclear.
Se lembrarmos a campanha eleitoral, o candidato do PSDB acusava o Governo Lula de politização das nomeações das agências, não usando critérios técnicos. O problema das agências reguladoras, no entanto, é outro. O principal risco reside na captura das agências pelos setores a serem regulados. Um dos mecanismos dessa captura é a indicação, para as diretorias, de técnicos ligados a esses setores, que podem ter mais sintonia com a visão e com as demandas empresariais do que com as da população. Isso prejudica a necessária equidistância que a agência deve manter entre setor regulado e sociedade no exercício de suas funções.
A necessidade de não incorrer na privatização das agências, de se criar uma autonomia em relação aos setores que elas devem fiscalizar, é tema que merece constante atenção.
O exemplo japonês demonstra não ser um problema exclusivo do nosso país a possibilidade de privatização do Estado por meio da ocupação de cargos por pessoas ligadas aos setores econômicos objetos de determinadas políticas públicas. Situação essa, muitas vezes vendida como se fosse um critério “técnico”, isento da influência dos setores econômicos. Talvez o melhor investimento que se possa fazer seja a ampliação da transparência da ação das agências e a construção de mecanismos que tornem mais compreensíveis para a sociedade as decisões e o modo de atuação dessas instituições. Nesse sentido, a responsabilização dos dirigentes assume papel fundamental.
Essa é uma decisão a ser tomada. Ou o Estado se profissionaliza, criando quadros permanentes, ou estará sempre à mercê das escolhas entre o político e o técnico. A pergunta que devemos fazer, portanto, é: a quem interessam a fragilização e o enfraquecimento do papel do Estado? Ou melhor, a quem favoreceram até este momento?
Setores como a saúde, cultura e educação vêm sofrendo ao longo do tempo com a ideia de que tudo o que é público é ruim e tudo o que vem da iniciativa privada é bom. Nenhuma das afirmações é totalmente verdadeira. Contudo, pode-se dizer que o desmantelamento do Estado Brasileiro é consequência de políticas deliberadas de privatização do próprio Estado. A terceirização excessiva e o enfraquecimento de suas ações com o discurso do “Estado Mínimo” criaram obstáculos para as forças que apostam num Estado com papel de indutor, fomentador e regulador, de reafirmação da esfera pública, coletiva e cidadã. Ao lançar a Câmara de Políticas de Gestão, Desem¬¬¬penho e Compe¬¬¬titividade, a presidenta Dilma Rousseff disse, sobre a relação público e privado, “que não pode ser de oposição, uma relação que não pode ser de conflito ou de interesses conflitantes. Mas uma relação em que Estado e empresas privadas, trabalhadores e sociedade tenham clareza do seu objetivo”.
Isso posto, é uma questão estratégica a transformação da administração pública para que realize com mais qualidade sua tarefa de gestor de políticas e para garantir que essas políticas cheguem às cidadãs e aos cidadãos brasileiros. Nesse sentido, um caminho é a criação de indicadores tendo como foco a população usuária de determinados serviços. Exemplos existem, como o da Espanha, que criou uma Agência de Avaliação e Qualidade com o intuito de estudar e avaliar permanentemente a qualidade dos serviços; como o da Carta Ibero-americana de Qualidade de Gestão Pública; ou mesmo as Cartas de Serviço do Brasil. Uma ação eficiente e eficaz é indissociável de uma administração verdadeiramente pública e voltada para o coletivo.
PublicidadeEste parece ser um dos grandes desafios do governo da presidenta Dilma Rousseff: a construção de uma nova cultura política na qual, de fato, se consolide a idéia da esfera pública como ponto de encontro de progressistas, aliando crescimento econômico com gestão competente.
*Antropólogo, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/Ministério da Cultura) e presidente do Programa Ibermuseus