Thiago Taborda Simões*
Na antiga Grécia, a educação era levada tão a sério a ponto de a família entregar a tutela da jovem prole ao professor, responsável por sua formação cultural e moral. A aceitação pelos genitores dessa invasão no seio familiar residia na consciência de que a cultura era o bem mais valioso que poderiam presentear aos filhos e, por isso, sua transmissão devia ser realizada pelos mais qualificados homens, os sábios nas coisas do mundo. Como resultado, a sociedade grega presenteou o mundo com Sócrates, Platão, Aristóteles e dezenas de outros que fincaram os alicerces da filosofia, arte, arquitetura, astronomia, ética.
Essa cultura é diametralmente oposta ao conteúdo do Projeto de Lei 220/2010, que pretende flexibilizar a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional para permitir às universidades a contratação de docentes sem título de pós-graduação, em regime de trabalho temporário renovável.
Em favor da ignorância, apresenta-se o argumento da dificuldade de contratação pelas universidades de docentes titulados. Não é difícil perceber que por trás da cortina estão os interesses dos grandes grupos privados de educação, que pretendem com isso baratear o custo de mão de obra.
A conta é simples. Em suas respectivas áreas de atuação profissional, um mestre ou doutor pode ser remunerado na faixa de R$ 500, R$ 1 mil por hora. Para esses profissionais, a docência decorre da convicção, de uma satisfação pessoal, ou mesmo da opção por devolver à sociedade o conhecimento duramente construído, e que deve ser valorizado. Prover seu sustento e o de sua família com uma remuneração de R$ 150 por hora/aula é razoável para um docente titulado em regime de exclusividade.
Ocorre que na grande maioria das universidades na “lanterninha” do MEC, a hora/aula praticada fica na casa dos R$ 20,00. Algumas ainda exigem do docente dedicação exclusiva, o que afugenta as mentes mais qualificadas como o diabo da cruz.
Mas para que parar por aí, se o céu é o limite? O PL pretende ainda formalizar a relação laboral como trabalho temporário, reduzindo assim o impacto trabalhista da universidade, situação que faz valer o ditado: “Passou um boi, passa a boiada”.
Após anos de frouxidão na condução das políticas de educação, o resultado é a vertiginosa ascensão quantitativa dos bacharéis, acompanhada do vertiginoso declínio qualitativo. As universidades formam profissionais despreparados para o exercício do ofício pretendido. A última prova da Ordem dos Advogados do Brasil reprovou 88% dos candidatos. Considerando que as universidades tradicionais aprovam em média mais de 80% dos seus alunos, conclui-se que diversas universidades apresentam índices de aprovação que beiram ao ridículo. Que cliente depositaria no advogado dessa escola seus direitos, seus bens ou sua liberdade?
Isso é estelionato intelectual. Indução ao erro. Galhofagem. E a vítima é o auxiliar de escritório, o office boy, o humilde, que labora de dia e estuda à noite, comprometendo metade do seu salário para pagar a universidade, para um dia virar “doutor”. Sonho que se despedaça depois de cinco anos, ao perceber que sua formação foi absolutamente insuficiente para sobreviver na selva do mercado.
Enquanto o legislativo continuar cedendo às pressões dos grupos econômicos ao sacrifício da cultura, da lógica e da obviedade, continuará vigendo o pacto da mediocridade, onde professores desqualificados fingem ensinar, e alunos despreparados fingem aprender.
Nossos jovens precisam de mestres e doutores. E o Congresso também.
*Sócio do Simões Caseiro Advogados