Álvaro Sólon de França *
Para dar efetividade a três tratados internacionais antissuborno e anticorrupção ratificados pelo Brasil (convenções da Organização das Nações Unidas – ONU, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, e da Organização dos Estados Americanos – OEA), o governo encaminhou ao Congresso Nacional, em 2010, o Projeto de Lei nº 6.826, que responsabiliza administrativa e civilmente pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira e dá outras providências.
O projeto, atualmente sob exame de comissão especial da Câmara, supre uma importante lacuna na legislação brasileira no combate à concorrência desleal e fraudulenta, uma das chagas de nosso país. Apesar de já existirem a Lei de Licitações (8.666/1993) e a Lei Antitruste (8.884/1994) com o propósito de combater condutas lesivas ao patrimônio público e disputas comerciais desleais, a nova legislação é que, realmente, irá possibilitar a punição efetiva do corruptor, a empresa jurídica que, diuturnamente, corrompe servidores inescrupulosos.
Essencialmente, a lei de responsabilização da pessoa jurídica tem por finalidade proteger, entre outros, os princípios constitucionais de liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e dos contribuintes a partir de regras de prevenção e de repressão à concorrência desleal, à infração ou abuso de poder econômico que atentem contra as estruturas de mercado.
O texto, portanto, poderá contribuir para higienizar as disputas de mercado, combatendo os favores a empresas ou a setores específicos, o tráfico de influência, o acesso a informação privilegiada, a corrupção de agentes públicos; enfim, todas as práticas que possam falsear as regras que devem presidir a livre iniciativa e a concorrência comerciais.
A nova legislação, que chega em boa hora, ataca o suborno e a corrupção, dois males que, além fragilizar os valores éticos e morais dos brasileiros, comprometem a legitimidade política, enfraquecem as instituições democráticas e criam obstáculos ao desenvolvimento econômico e social do país, afugentando investimentos e envergonhando o Brasil nas estatísticas sobre corrupção.
As punições previstas na lei, de ordem administrativa e civil, aplicáveis proporcionalmente à gravidade da infração, são severas. Além de multas, que podem variar de R$ 6 mil a R$ 6 milhões ou de 0,1% a 20% do faturamento bruto, excluídos os tributos, os corruptores estão sujeitos a outras sanções, como a declaração de inidoneidade, por prazo mínimo de um e máximo de cinco anos, inclusão do nome da empresa no cadastro de empresas inidôneas, proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas.
O rol de penalidades inclui o ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos por ato de improbidade, a responsabilização de todos os envolvidos nos ilícitos, independentemente da natureza do vínculo com a empresa (empregado, sócio, dirigente, administradores etc.), além da suspensão de negócios com os órgãos e entes públicos dos três poderes e dos três níveis de governo.
Entre as hipóteses que podem resultar em punição, segundo o substitutivo apresentado pelo relator na comissão especial, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), podemos mencionar: 1) prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a agente público, 2) financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos, 3) utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos atos praticados, 4) interferir, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem, em licitações e contratos, e 5) dificultar ou interferir na atividade de investigação ou de fiscalização de agente público, e na atuação dos respectivos órgãos, bem como na atuação e na fiscalização das Agências Reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro.
Especificamente nos casos de licitações e contratos, estão entre as possibilidades de punição: 1) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; 2) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; 3) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; 4) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; 5) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; 6) obter vantagem ou benefício indevido de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou 7) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.
Os próximos passos, na perspectiva de dotar o país de um ordenamento jurídico-institucional de combate ao suborno e à corrupção, devem ser no sentido de pressionar o Congresso para também aprovar os Projetos de Lei nº 7.528/2006, que dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo, e nº 1.202/2010, que regulamenta a atividade de lobby no Brasil.
Esta nova lei, combinada com outras ações já em curso no governo, especialmente na área da tecnologia da informação e da transparência, com certeza irá contribuir para melhorar o padrão de integridade dos agentes públicos no desempenho de suas funções, ampliando a prevenção e a repressão às infrações de ordem econômica, além de tornar a administração mais eficiente na prestação de serviços públicos e na prevenção e combate à corrupção. Com ela ganham o mercado, o governo, os servidores públicos e a sociedade,
que passam a dispor de mais um instrumento para inibir e punir os malfeitos.
* Álvaro Sólon de França é presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).