Edson Sardinha e Soraia Costa
A exemplo do que aconteceu nos três primeiros anos do governo Lula, em 2006 o maior legislador foi o Poder Executivo. De cada dez leis sancionadas no ano passado pelo presidente Lula, sete foram de autoria do Executivo.
No total, entraram em vigor 178 leis ordinárias. Foram de iniciativa do Legislativo 42 delas, enquanto 124 (70%) foram apresentadas pelo governo federal. As demais foram propostas pelo Judiciário (nove), pelo Tribunal de Contas da União (uma) e pelo Ministério Público da União (duas).
Incluindo as leis complementares – que regulamentam normas estabelecidas pela Constituição – e as emendas constitucionais, o número de atos legais sobe para 186 (clique aqui para ver quais são eles), e a contabilidade fica um pouco mais favorável para o Congresso. Desse total, 50 são de iniciativa dos parlamentares. Mas, com 124 proposições, o Executivo mantém o patrocínio de 67% das propostas transformadas em lei.
Para o professor Pedro Estevam Serrano, que dá aulas de direito constitucional na PUC – SP, essa é uma tradição negativa do Executivo. “Há uma tradição cultural, negativa na minha opinião, de o Executivo exercer funções legislativas em excesso, como o exemplo das medidas provisórias”, disse. “Isso cria um certo autoritarismo sobre o Legislativo e gera uma cobrança excessiva para o Executivo”.
Medidas privativas do Executivo, como as que tratam da liberação de verbas do orçamento, certamente contribuem para o predomínio de proposições do governo (leia mais). Entraram em vigor 54 leis versando sobre questões orçamentárias, ou seja, mais de 40% das propostas que o governo transformou em norma jurídica em 2006. Mesmo assim, a disparidade entre as leis de origem do Executivo e do Legislativo fica acima do que poderia ser considerado normal.
Falta qualidade
Uma das explicações apontadas por parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco é a qualidade das propostas dos parlamentares. “Muitas leis apresentadas por deputados só contam para estatísticas, mas são sem importância para o país”, diz o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. “Os deputados deveriam estar mais atentos para os projetos que apresentam”, completa ele.
Apesar de achar “natural” que o Executivo aprove mais leis, pois o governo “é responsável pelas políticas públicas e elas dependem de leis”, o presidente da CCJ admite que há dificuldade para se aprovar as leis de autoria dos parlamentares.
Ele próprio não conseguiu a sanção para nenhuma de suas proposições no ano passado. Para exemplificar sua posição, o deputado lembrou de um projeto seu que pretendia acrescentar um parágrafo sobre a tortura no Código Penal.
Quando a proposta chegou à CCJ, um dos deputados questionou a constitucionalidade do texto, mas pouco tempo depois a Organização das Nações Unidas mandou que os países que não tratavam do tema em suas constituições o incorporassem à sua legislação. “O Itamaraty leu minha proposta e tentei acelerar a aprovação. Não teve jeito. O Executivo teve que elaborar uma nova proposta, praticamente igual, para conseguir sancionar o projeto”, lembrou Sigmaringa.
O poder da caneta
A força e a pressão do Executivo sobre os parlamentares também conta na hora da aprovação. Como ensina a história política do país, “votar com o governo” sempre rendeu bons dividendos. Além de boa assessoria técnica para defender suas propostas, o Executivo tem o, para muitos irresistível, apelo de cargos, verbas e outros favores tradicionalmente usados para garantir maioria no Parlamento.
O fato é que os projetos enviados pelo governo tendem a ter trâmite prioritário. “Os deputados tinham que ser mais unidos para evitar que o Executivo manipule tanto. Parlamentares que estão na base aliada às vezes votam de acordo com a orientação do governo sem nem ver direito do que se trata a proposta. E, muitas vezes, coisas importantes para a população são rejeitadas por pressão do Executivo”, reclama o deputado Celso Russomanno (PP-SP), que no ano passado conseguiu uma proeza: a sanção presidencial para três de suas leis ordinárias.
De acordo com o deputado, o segredo para ter as propostas aprovadas é “correr atrás e se empenhar”. “Quando chega na mão do relator, tem que ir lá e pedir para ser breve, tentar saber qual foi o parecer. A aprovação de leis passa por um trâmite muito burocrático e os projetos de lei do Executivo têm prioridade, por isso andam mais rápido”, acrescenta.
Quase metade das propostas que os parlamentares conseguiram transformar em lei eram homenagens, como a atribuição de nomes a rodovias ou a instituição de datas comemorativas. Dos projetos de autoria de Celso Russomanno, por exemplo, um criou o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla e outro declarou o sociólogo Florestan Fernandes patrono da sociologia brasileira.
“Homenagens não têm impedimentos”, explica o deputado, lembrando propostas de maior impacto costumam ser travadas por irem de encontro a interesses do governo. “Deveria ser diferente, mas também depende dos parlamentares. Se reduzissem o número de projetos e fizessem com mais cuidado, com certeza o índice de aprovação seria maior”, argumenta ele.
República distorcida
Os juristas há muito alertam que a distorção de foco atinge os três poderes. “A nossa república não funciona como deveria. O Executivo legisla demais, o Legislativo só sabe fazer CPIs e deixa de lado sua função primeira, que é a de fazer leis, e o Judiciário, em vez de julgar, fica dando liminares”, resume o constitucionalista Pedro Serrano.
Ele destaca que a Constituição de outubro de 1988 conseguiu avançar muito, principalmente com relação à defesa dos direitos humanos. Entretanto, apesar dos seus 18 anos, ainda falta muito para ela entrar completamente em vigor. “Há centenas de projetos de lei que regulamentam a Constituição aguardando a aprovação dos parlamentares. No entanto, essa parece não ser a prior
Deixe um comentário