Uma das maiores novidades criminológicas deste novo século consiste na solidificação da tentativa de se ampliar (criminologicamente) o conceito de genocídio, classicamente tido como um ataque a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, com o escopo primordial de dizimá-lo. Dessa tarefa se encarregou o neozelandês (Wayne Morrison), professor da Escola de Direito Queen Mary (Universidade de Londres), que já desponta como um dos criminólogos mais importantes do século XXI, em razão da sua criteriosa e histórica pesquisa sobre os incontáveis genocídios (milhões de cadáveres) praticados desde o final do século XIX. Um detalhe sumamente relevante: de todos esses horrendos genocídios não cuidou acriminologia desenvolvida nos países centrais (Europa, EUA etc.). Que faziam a criminologia e o direito penal durante todos esses massacres? Nenhuma linha sobre eles. É hora de a criminologia (burocrática) deixar de cuidar exclusivamente dos homicídios comuns e roubos (Zaffaroni). O mundo dos genocídios massivos deve gozar de absoluta prioridade científica e política frente ao ladrão de galinha!
Morrison, com seu livro “Criminología, civilización y nuevo orden mundial” (Barcelona: Anthropos, 2012), representa para a nova criminologia (crítica) o que o economista francês Piketty vale, hoje, para a desigualdade (O capital no século XXI). São dois nomes de altíssima reputação (cada um na sua área): dois revolucionários deste século (haverá a História de reconhecer). Reivindicando a ampliação do objeto de estudo da clássica criminologia (administrativa), Morrison defende uma nova visão crítica, chamada de global, que deve começar dando a devida atenção para os genocídios que trucidaram (e continuam dizimando) milhões de pessoas. O conceito de genocídio de Morrison é bastante amplo (envolve todos os massacres contra qualquer grupo humano – ele cita no seu livro incontáveis exemplos). Zaffaroni (na apresentação deste livro, p. XV e ss.) sublinha que deveríamos prestar mais atenção (pelo menos) nos massacres (genocidas) provocados pelo Estado. De minha parte acredito que o melhor seria reconhecer como genocídio todos os massacres massivos contra qualquer agrupamento humano por razões de raça (assassinatos massivos dos afrodescendentes), cor (massacre dos jovens negros e pardos), etnia (massacre dos índios), religião, sexo (massacre dos homossexuais), origem, socioeconômicas (massacre dos pobres), machistas (massacre das mulheres em razão do gênero) etc.
Dentre as incontáveis consequências decorrentes da classificação sugerida temos: (a) o genocídio massivo praticado por agentes do Estado seria crime contra a humanidade, (b) imprescritíveis e (c) reparáveis civilmente, também eternamente (nesse sentido veja Zaffaroni, apresentação do livro de Morrison). Do já famoso livro de Morrison não constam detalhes do genocídio brasileiro, mas ele existe. Mais de um milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil, de 1980 a 2012.
Uma muito relevante parcela dessas mortes tem como responsável direto o Estado brasileiro, que protagoniza (por meio dos seus agentes) uma das políticas racistas e genocidas mais crueis do planeta. Exemplos: em julho de 1993 alguns PMs mataram oito crianças que dormiam em marquises próximas da Igreja da Candelária, no RJ; no dia 11 de junho passado, dois PMs teriam executado Mateus Alves dos Santos e ainda efetuado disparos contra seu acompanhante, no morro do Sumaré (RJ) (Estadão 19/6/14, pág. A15). Fatos como esses se tornaram corriqueiros no Brasil. Em São Paulo, de janeiro a abril de 2014, mais de 1600 pessoas foram assassinadas; dessas, 17,7% com sinais inequívocos de execução (Folha 13/6/14, pág. C1).
As estatísticas mostram, há anos, que algo em torno de 20% dos assassinatos no Brasil são cometidos por policiais (muitos deles, por sua vez, também são mortos por grupos organizados). A grande maioria dos homicídios dos policiais não conta com amparo legal, ou seja, são execuções sumárias, que fazem parte do genocídio brasileiro fundado em preconceitos racistas, socioeconômicos etc.
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