Aletheia Vieira*
Quando Fernando Henrique abriu a porta do quarto do hospital, Lula correu para abraçá-lo.
– Porra, cara, que bom que você veio!
– Como você está?
– Melhorando. O quadro está regredindo…
– Oi, Marisa, nem tinha visto você.
– Tudo bem, presidente? – ela falou delicadamente – vou deixar vocês a sós, ok?
Fernando Henrique olhou para Marisa saindo do quarto, após ela dar um beijo na testa de Lula.
Publicidade– Que bom ter uma companheira.
– Eu sei, Fernando. Sei como sente falta dela.
– Depois de um tempo aquela dor dilacerante passa, como você me falou no velório. Mas a saudade aperta em momentos bem pontuais, em datas especiais… enfim. Eu tento ocupar a cabeça com pesquisa, palestras, com o Instituto, com os netos…
– Eu sei como é. Já passei por isso.
Silêncio.
– O que os médicos falam sobre o seu caso? Você está curado?
– Sim, a doença regrediu, o tumor sumiu. O problema é a quimioterapia. Companheiro, eu sofri muito. Chegou uma hora que simplesmente eu não tinha apetite nenhum, logo eu, que adoro um churrasco… Eu senti enjoo, tontura, febre, a imunidade caiu, aí veio a pneumonia.
– Você tirou de letra, claro. Já venceu muitas batalhas.
– Essa foi uma das mais difíceis.
– Sério?
– Mais difícil que as três eleições perdidas, pode ter certeza.
Silêncio. Fernando Henrique baixou a cabeça e parecia pensativo. Lula mudou de assunto.
– Eu vi teu documentário da maconha.
– Gostou?
– Meu caro, eu achei meio estranho. Algumas coisas fazem sentido, outras não. Você já fumou baseado?
– Já. Uma vez. Não gostei muito não.
– Eu prefiro charutos cubanos…
– Mas agora não pode mais…
– É eu sei. Você acredita que uma jornalista disse que eu estava doente porque chegou “a conta” do meu alcoolismo e tabagismo?
– Ela não é jornalista, é comentarista. Sim, eu também ouvi e não gostei. Lula, você tinha seu estilo de vida e isso não interessa a ninguém. Fazemos nossas escolhas.
– Cara, eu gosto de beber uma e fumava. Mas ninguém pode me julgar por isso, ninguém pode me diagnosticar, a não ser que seja um médico. Porra, fiquei muito puto, sério.
– Nós lutamos pela democracia e imprensa livre, mas os profissionais precisam ter bom senso e isso tem a ver com os valores de cada um. Mas nada pode impedir que alguém faça escolhas. Lembra que eu desisti de entrar no PT e fundei o PSDB?
– Sim. Mas as coisas não estão sendo muito fáceis pra vocês…
– Ah, Lula, nem me fale. Eu já estou assim… cansando mesmo.
– Do Serra você já desistiu, disse que preferia o Aécio…
– Se o problema fosse só a corrida presidencial… Mas o partido precisa se encontrar novamente. Eu até falei uma vez que o futuro do PSDB é mais incerto do que o Euro…
– As coisas mudam, meu caro. Temos que estar preparados para tudo. E o que você tá achando da Dilma?
– A mulher é firme, heim? Fez faxina nos ministérios, enfrenta a base aliada…
– O poder tem seus bônus, mas também seus ônus. Ela tem o estilo dela, eu tenho o meu e assim vamos seguindo. Ela é uma mulher forte e decidida, tenho muita segurança de que fiz a coisa certa…
– Você volta em 2014?
– Ah, não sei.
– Você ainda é jovem, Lula.
– Não sou não.
– Eu não tenho mais condições de enfrentar uma campanha, cara. Já tenho 80 anos. Mas você é forte, é duro na queda.
– Depois do tratamento vou ter que repensar muitas coisas…
– Mas o povo te adora, te ama. Eu nunca tive essa popularidade, você é um fenômeno.
– Você foi importante para o Brasil. Eu vim depois, também fui. O povo é sábio e sabe dosar seus sentimentos. Você foi o primeiro sociólogo a ser presidente, eu o primeiro operário, a Dilma, a primeira mulher. Cada um de nós tem um lugar no coração do povo, pode ter certeza.
Marisa bateu levemente na porta e a abriu.
– O fotógrafo está aí fora. Ele pode entrar?
– Claro! – disse Lula.
Quando o fotógrafo do Instituto Lula entrou no quatro, olhou profundamente nos olhos dos ex-presidentes. Aqueles dois homens já estiveram na sua frente várias vezes, mas naquele momento, parecia ser o mais especial de todos.
– Vamos lá, quero vocês dois sorrindo como nos velhos tempos, ok?
*Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Pará – UFPA e especialista em Jornalismo Político pela Universidade Gama Filho. Cobriu política em Belém e veio para Brasília, onde assessorou o ex-senador José Nery (PSOL/PA). Atualmente faz parte da assessoria de comunicação do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, também na capital federal