Na última semana, um artigo divulgado nos noticiários alerta para os perigos de se misturar Estado e sociedade civil, enquadrando esta última no ambiente institucional do aparelho de Estado.
O autor do alerta não podia ser outro senão o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Conhecido por sua defesa dos temas da liberdade de expressão e da autonomia da sociedade frente ao Estado, Ayres Britto critica o polêmico Decreto 8.243, editado pela presidente Dilma Rousseff em maio do ano passado, e que objetivava instituir uma Política Nacional de Participação Social – PNPS. O decreto foi tão mal recebido pela sociedade e pelo próprio Congresso Nacional que foi retirado de pauta. Mas está apenas engavetado, o que significa que poderá voltar à pauta de votações a qualquer momento.
O decreto procurava regulamentar a criação de instâncias de discussão de políticas públicas envolvendo, num mesmo ambiente institucional, governos, cidadãos comuns e movimentos sociais de todos os tipos, reconhecidos legalmente ou não. O objetivo, declarado em seu Artigo 1º, era “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil“. A polêmica reside no fato de que o decreto praticamente deixava a cargo dos movimentos sociais a decisão sobre políticas públicas. Ou seja, uma ação clara para diminuir a importância do poder Legislativo, o que, aliás, é inconstitucional.
E é exatamente isso que nos lembra Ayres Britto em seu texto. Para ele, trazer instâncias da sociedade para dentro da estrutura de poder do Estado é uma “mistura de papéis que mal disfarça duas coisas: a imperial liderança do Estado em face dela, sociedade civil, e o recolocar da altaneira figura do cidadão na subalterna condição de súdito“.
O magistrado inclusive é membro do conselho do Instituto Palavra Aberta, que trabalha em defesa da liberdade de expressão em todos os níveis. E, é imbuído desse espírito que ele finaliza seu artigo de forma contundente: “Temo pelo pássaro da cidadania a trocar o voo pelo saltitar na gaiola dos conselhos populares ou coisa que o valha“.
Este comentário na verdade é um convite a todos. Antes de apoiar propostas como essa dos conselhos populares, precisamos refletir bastante sobre o valor da liberdade para a autonomia da sociedade, em especial o valor da liberdade de expressão e do controle social sobre governos, mandatos e orçamentos públicos.
Num momento em que cada vez mais se discute temas como controle social, liberdade, autonomia, governança e outros, vale a reflexão.
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