Na última 5ª feira (21), o eletricista ligou cedinho perguntando se poderia vir fazer o serviço que solicitáramos. Vai daí que a Juliana, minha esposa, ficou com uma enorme e inesperada faxina para ocupar sua tarde, pois troca de fiação emporcalha tudo.
Levei minha filhinha à escola e, para não atrapalhar a azáfama da Ju, deixei o carro estacionado lá perto e fui de ônibus para o centro velho. Fiz a barba, procurei blusa na C&A da rua 24 de maio e, não encontrando a que queria, rumei para o Shopping Light, na praça Ramos de Azevedo.
Dei de cara com uma pequena multidão nas escadarias do Theatro Municipal, homenageando o Raul Seixas; era o dia do 25º aniversário de sua morte.
Foi bom ver aquele povo colorido e animado de novo, tomar o vinho coletivo diretamente do caldeirão do diabo e lembrar do bom Raulzito, com quem tanto papeei nas vezes em que bebemos juntos (tendo, infelizmente, quase tudo sido apagado pelo álcool e pelo tempo, exceto uma coisinha ou outra que registrei em textos escritos quando a memória desses porres longínquos não se esfumara tão completamente).
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Como bem disse o Gilberto Gil, “quem não dormiu no sleeping bag, nem sequer sonhou”. Curti intensamente a era da contracultura, da generosa tentativa de vivermos em comunhão com os outros pirados e com a natureza, da abertura das portas da percepção, das comunidades que tão pouco duraram mas tanto nos marcaram, das estradas sem fim que percorríamos na sola e na carona. Talvez nem estivesse aqui sem o ânimo que este sonho menor me deu para seguir adiante, depois que o sonho maior foi destruído pela bestialidade fardada, deixando-me em cacos.
E foi curioso eu ter encontrado, por mero acaso, esses rebentos das novas gerações que creio ter inspirado um tantinho com os textos que eu produzi durante cerca de cinco anos de atuação como crítico de rock e editor de revistas de música. Desligado de efemérides, ainda assim a efeméride me achou.
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Como quando o próprio Raul, tendo gostado do meu relato sobre a primeira coletiva dele na CBS e o almoço mucho loco num restaurante oriental da rua Teodoro Sampaio (vide aqui), convidou-me para uma boca-livre da gravadora, a primeira vez em que nos encontramos para conversar sobre tudo um pouco e beber de tudo um muito. Impressões que ficaram e reflexões que esses papos etílicos me suscitaram estão reunidas noutro texto antigo, um dos que, até hoje, mais gostei de ter escrito: este aqui.
Éramos ambos náufragos do ano das duas grandes primaveras, a de Paris e a de Praga; isto nos aproximou. Ele manteria vivos os ideais de 1968 por mais duas décadas. Eu sobrevivi o suficiente para ver os fios da História atarem-se, com os herdeiros de 1968 levando sua indignação para as ruas em meados do ano passado, quando os ventos de mudança começaram a soprar de novo, sacudindo a pasmaceira do gigante adormecido.
(clique aqui para assistir ao vídeo de Sociedade alternativa)
Fiquei satisfeito em ver o Raulzito sendo lembrado com festa, não com lamúrias. E em pensar que fez muito sentido eu haver pousado de pára-quedas naquela festa, pois tinha tudo a ver com quem eu fui e, orgulho-me de dizer, continuo sendo.
Sob diversos nomes, uma sociedade alternativa é exatamente o que tenho tentado construir durante toda a minha vida adulta. E, não tenho dúvidas, morrerei tentando.
* Jornalista, escritor e ex-preso político. Mantém o blog Náufrago da Utopia.
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