Marcos Magalhães*
Desde que os então presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín decidiram enterrar perto das Cataratas do Iguaçu antigos fantasmas desconfiados, outros presidentes, governadores, ministros e homens de negócios já cruzaram milhares de vezes as fronteiras entre Brasil e Argentina, espalhando antídotos contra desentendimentos do passado. Mas poucos terão feitos tanto para o futuro quanto singelas professoras que todas as semanas atravessam a linha imaginária que separa os dois maiores países da América do Sul.
No mundo dos fatos oficiais, Argentina e Brasil vivem um casamento frio e desmotivado. Cada um em seu mundo particular. Depois de experimentar um surto de crescimento elevado, com taxas superiores a 8% ao ano, os argentinos temem a volta da inflação e começam a desviar suas poupanças para o mais seguro Uruguai, do outro lado do rio da Prata. O peso derrete diante do dólar, e o país desconfia de si mesmo.
Os brasileiros, mesmo diante de um longo caminho a percorrer, começam a experimentar os frutos de sua ortodoxia improvável. Obtiveram o grau de investimento e atraem capitais como em poucos momentos da história. A bolsa sobe. E a inflação, apesar de nervosa, ainda não faz lembrar o grande dragão que queimava os salários poucos dias depois de eles entrarem nas contas bancárias dos trabalhadores.
Na política externa, apesar da paz aparente, os dois países também parecem experimentar diferentes opções. A Argentina, dependente de recursos externos e ainda às voltas com as desconfianças dos investidores tradicionais, mantém um namoro firme com a Venezuela de Hugo Chávez.
O Brasil se lança ao mundo e negocia parcerias com pesos pesados como China, Índia, Rússia e África do Sul. Na América do Sul, investe em relações melhores com diversos vizinhos. Mas enfrenta momentos de solidão e cobranças, como demonstram as bandeiras brasileiras recentemente queimadas em ruas do Paraguai, durante uma manifestação pela revisão do Tratado de Itaipu.
Se Brasil e Argentina não vivem momentos de conflito, tampouco passam por uma fase de mútua sedução. O turismo cresceu, mas aquelas antigas desconfianças muitas vezes ainda persistem nas relações pessoais. E, atualmente, muito mais por preconceitos dos brasileiros em relação aos argentinos do que vice-versa. Ou não será assim? Os inúmeros títulos brasileiros nas prateleiras de uma loja de disco em Buenos Aires – sem a esperada contrapartida nas lojas do Rio ou de São Paulo – são um exemplo de que há mais abertura atualmente dos argentinos em relação ao Brasil.
E as professoras da fronteira, como entram na história? Em cidades gêmeas, como Uruguaiana e Paso de los Libres, elas protagonizam, há quatro anos, uma experiência quase desconhecida de integração. Uma vez por semana, professoras argentinas se deslocam para o Brasil e passam o dia todo à frente de uma turma de brasileirinhos. E professoras brasileiras cruzam a fronteira para dar aulas aos pequenos argentinos. Todas as crianças envolvidas estudam da primeira à quarta séries do ensino fundamental e têm, portanto, algo entre sete e dez anos.
As professoras argentinas não dão aulas de espanhol. Nem as brasileiras dão aulas de português. Elas dão aulas em suas próprias línguas, para crianças que estão abertas ao novo. Apresentam as suas culturas às crianças do país vizinho. E criam espaço para o aparecimento de uma geração inteira de estudantes bilíngües e abertos à compreensão da cultura dos que vivem do outro lado da fronteira. A experiência é nova, o bilingüismo ainda é mais uma meta que uma realidade. Mas parece ter vindo para ficar. Tanto que já se pensa, no Ministério da Educação, em parcerias semelhantes com outros países, como Paraguai, Uruguai e Bolívia.
Toda essa experiência, relatada há poucos dias a integrantes do Parlamento do Mercosul, indica o caminho para se aprofundar a integração continental. O caminho passa pelas pessoas. Quanto mais se entenda o outro, desde cedo, tanto mais chances haverá de solução para futuros conflitos entre países vizinhos. Diferenças entre países sempre existirão, como se pode ver hoje na Europa, palco do mais avançado processo de integração da história da humanidade.
Ali também, porém, existe uma aposta cada vez maior na aproximação de pessoas de diferentes países. Jovens europeus circulam com uma desenvoltura cada vez maior entre os países vizinhos. Aprendem outras línguas, vivem outras culturas, fazem novas amizades. O mesmo poderia ser feito aqui na América do Sul. As escolas de fronteira têm o seu papel na aproximação entre cidades vizinhas. Muito mais, no entanto, ainda pode ser feito, inclusive no ensino do espanhol e do português, para que um dia muitos jovens sul-americanos sejam, de fato, bilíngües. E mais dispostos a se aproximar dos vizinhos.