É uma estratégia comum em corridas de longa distância. É usada também em provas de ciclismo, e mesmo no automobilismo em corridas tipo 24 Horas de Le Mans. Entre os competidores de uma mesma equipe, elege-se um para assumir um ritmo muito forte no início, acima do recomendável. É o chamado “coelho”. O objetivo é fazer com que os adversários o sigam, na disparada que ele dá. Passado um tempo de corrida, nem ele nem os adversários que caírem na artimanha vão aguentar o ritmo: vão cansar (ou, no caso das corridas de automóvel, vão quebrar), abrindo espaço para o integrante da equipe que estava mesmo destinado a vencer a prova, e que vinha atrás, num ritmo mais adequado.
O comportamento errático que o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) apresenta na corrida presidencial muitas vezes me dá a sensação de que, nessa disputa, ele na verdade pertença à mesma equipe de Dilma Rousseff, e que compete para fazê-la ganhar. Guardadas as diferenças que essa corrida tem para as corridas esportivas, Ciro parece fazer esse papel de coelho. Sua tarefa ali parece ser apenas embaralhar o jogo, confundir as coisas, aumentando as dúvidas que fariam com que os adversários demorassem a definir quem escalariam – se José Serra ou Aécio Neves – para enfrentar o candidato de Lula, pelas dúvidas sobre quais variáveis teriam que enfrentar.
Se assim não fosse, como explicar Ciro? Como explicar que um candidato de fato se permitisse ir caindo nas pesquisas sem reação? Como explicar que alguém que de fato tivesse a pretensão de disputar a Presidência da República aceitasse antes a hipótese de transferir seu título eleitoral para São Paulo, onde nasceu mas nunca teve vida política, se a negociação dessa alternativa já não acontecesse desde o início? Onde está Ciro? Que fatos ele está produzindo? Que declarações tem dado? Agora, definido pela oposição que o candidato será mesmo o governador de São Paulo, José Serra, noticia-se que o governo iniciará uma ofensiva para tirar Ciro do páreo eleitoral. Foi o governo que o botou no páreo. Agora, será o governo quem vai tirá-lo.
Risco de papel subalterno
Levo a minha tese no PSB a um dos maiores partidários da candidatura de Ciro, o senador Renato Casagrande (ES). Ele garante que Ciro está no páreo presidencial para valer. “Se o Ciro se expõe muito, é criticado. Se não se expõe, é criticado também. É difícil achar um meio termo”, reclama. De acordo com Casagrande, tirar Ciro do páreo agora seria muito mais um desejo de Lula e do Palácio do Planalto.
“Lula sempre quis Ciro fora do páreo eleitoral. Ele sempre quis tornar 2010 uma eleição plebiscitária. E, creio que mesmo sem Ciro na disputa, ele já não conseguirá isso, porque Marina vai disputar e, na minha opinião, leva o páreo para o segundo turno”, avalia Casagrande.
No final do ano passado, Lula já levou ao PSB sua defesa da retirada de Ciro. Na ocasião, não conseguiu, segundo Casagrande, demovê-lo. Agora, ele voltará a conversar sobre o tema com o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos. “Não creio que será, como o governo ventila, uma conversa definitiva. Acho que será mais uma conversa de avaliação”, diz Casagrande.
O que pesa, segundo ele, é que o governo ainda não apresentou de fato qualquer compensação realmente valiosa para fazer Ciro desistir da disputa presidencial. A hipótese de concorrer ao governo de São Paulo parece algo muito arriscado. Compensações nos estados – como retirada de candidaturas petistas para apoiar nomes socialistas – não foram admitidas. “O que é que nós vamos fazer numa aliança entre o PT e o PMDB que só nos reserva um papel subalterno?”, questiona Casagrande. Essa, para ele, é a grande questão.
Mas, de qualquer modo, a não ser que Ciro comece a aparecer no páreo com mais visibilidade e com maiores demonstrações reais de vontade de disputá-lo, parece ficar uma segunda pergunta: o que fará o PSB numa eleição presidencial em que ao seu candidato só se reserve um papel subalterno? Se era apenas para ser o coelho ou o sparring de Dilma para eventualmente bater em José Serra, valerá a pena?