Um dos ícones da militância homossexual no Brasil, o antropólogo Luiz Mott aponta o Congresso como fomentador de uma política de intolerância baseada na orientação sexual. Para o fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), uma das organizações não-governamentais mais atuantes na militância dos direitos dos homossexuais, os parlamentares vacilaram ao não incluir na Constituição a liberdade de expressão sexual entre as garantias fundamentais do cidadão brasileiro.
Professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mott também critica os militantes religiosos, os quais acusa de propagarem uma cultura de intolerância. “Segundo Freud, todas as pessoas que são extremamente intolerantes com os homossexuais, que estão a todo momento apontando ou ridicularizando, são aquelas que têm problemas seriíssimos em relação à sua sexualidade”, diz.
Para ele, os deputados reduziram a migalhas o que era um sonho dos homossexuais brasileiros: a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. A morosidade na tramitação do Projeto de Lei 1551/95, de autoria da ex-deputada Marta Suplicy (PT-SP), e as mutações sofridas pelo texto, nas comissões permanentes, demonstram, na avaliação dele, que o Legislativo não acompanhou o passo dos demais Poderes.
Pai biológico de Míua e Tami, já adultas, Mott divide o mesmo teto, em Salvador, com Marcelo Cerqueira, seu parceiro desde 1985.
O antropólogo rejeita a expressão "homossexualismo" e prefere o termo "homossexualidade" ao lidar com a questão. "Homossexualismo parece doença", explica.
Congresso em Foco – De que forma o Congresso Nacional tem se comportado em relação aos projetos que dizem respeito aos homossexuais?
Luiz Mott – O Legislativo é o mais atrasado entre os três Poderes no que diz respeito à garantia dos direitos dos homossexuais. O primeiro grande vacilo foi não ter incluído, entre as garantias individuais previstas na Constituição, a proibição da discriminação em decorrência da orientação sexual. Outro vacilo é que o projeto de lei da Marta Suplicy sobre a parceria civil registrada (PL 1151/95) tem sido empurrado com a barriga desde 1995 pelos deputados, inspirados por uma ideologia machista que acha que defender os direitos dos homossexuais tira voto. Isso é um equívoco, porque inúmeros políticos que apoiaram os homossexuais foram muito bem eleitos depois de declararem esse corajoso apoio.
"O Legislativo é o mais atrasado entre os três Poderes no que diz respeito à garantia dos direitos dos homossexuais"
Desde a apresentação desse projeto de parceria civil para pessoas do mesmo sexo houve alguma mudança por parte dos parlamentares em relação à homossexualidade?
Podemos observar várias mudanças decorrentes da evolução da sociedade. O Judiciário, notadamente o do Rio Grande do Sul, tem dado ganho de causa aos homossexuais, no sentido de garantir ao parceiro homossexual o direito à herança e à guarda dos filhos. No Executivo também houve avanços, como o Programa Nacional de Direitos Humanos II, divulgado em 2002, em que os homossexuais são contemplados por 15 propostas de ações afirmativas. Isso não havia ocorrido na primeira edição do programa em 1996. No Legislativo, também evoluiu, mas num outro sentido, porque o projeto da Marta Suplicy, como ela própria reconheceu, está desatualizado em relação às conquistas do movimento, sobretudo em relação ao Judiciário.
Mas em que pontos o projeto da parceria civil está desatualizado?
O projeto foi extremamente tímido e limitativo, apesar de ter sido inspirado em uma proposta semelhante adotada na Suécia. Ele concede apenas algumas migalhas aos homossexuais. Por ele, o parceiro homossexual não constitui com o seu companheiro sequer uma família. Qualquer pendência em relação a esse contrato será julgada na Vara Comercial, como um contrato econômico, e não na Vara da Família, como deveria ser. Está desatualizado também em relação à própria caracterização do que é uma parceria civil. Mais do que um simples contrato comercial, queremos uma equivalência à união estável, assim como o Estado reconhece nas relações heterossexuais.
"O projeto (de Marta Suplicy) foi extremamente
tímido e limitativo, concede apenas algumas migalhas
aos homossexuais, que não constituem com o seus
companheiros sequer uma família"
Há estimativas de quantos homossexuais vivem no Brasil?
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) resiste a incluir a variável orientação sexual nos seus Censos e levantamentos demográficos. Na falta desses dados, temos nos baseado no relatório Kinsey (nome do pesquisador norte-americano que mais se dedicou ao estudo da sexualidade humana), que avalia que 10% da população ocidental é constituída por homossexuais. Portanto, devem existir no Brasil mais de 17 milhões de homossexuais. Alguns outros levantamentos parciais elaborados pelo próprio Ministério da Saúde indicam que de 6% a 8% dos brasileiros sejam homossexuais. Isso também representa um eleitorado bastante significativo, o que, nos países civilizados, pesa bastante no resultado das eleições.
"Levantamentos parciais do Ministério da Saúde indicam que de 6% a 8% dos brasileiros são homossexuais"
Esse percentual, de alguma forma, está refletido no Congresso? O senhor tem informação a respeito de quantos parlamentares seriam homossexuais?
O relatório Kinsey se refere a populações de países. Em grupos confinados, como colégios, quartéis e cárceres, é possível que esse percentual seja até superior. Mas em populações diversificadas, que representam tantas categorias e classes econômicas, como o Congresso Nacional, é difícil avaliar se essa estimativa se mantém. Os deputados muitas vezes se acusam entre si, em momentos de crise e briga, de serem homossexuais. Vários deputados estaduais e federais foram até apelidados com nomes femininos, para deleite da imprensa. Agora, o número de parlamentares que praticam a homossexualidade e afirmam honestamente a sua condição de homo ou bissexuais tem sido extremamente diminuto no Brasil,em desacordo com o que ocorre nos países mais desenvolvidos, onde há diversos deputados e senadores assumidamente gays. Os prefeitos de Berlim e Paris, por exemplo, foram eleitos com o eleitorado sabendo que eles eram homossexuais.
O coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), disse que talvez não haja parlamentares homossexuais no Congresso, o que justificaria o fato de nenhum ter assumido a homossexualidade. Ele pode ter razão?
O movimento homossexual não realiza esse tipo de pesquisa e respeita a livre orientação sexual de todas as categorias sociais, inclusive a dos parlamentares. Eu me pergunto se o deputado realizou algum tipo de pesquisa teórica ou prática, o que me causaria surpresa. Os evangélicos, que são tão intolerantes com os homossexuais, não chegariam a esse grau de intimidade para colher essa informação. Segundo Freud, todas as pessoas que são extremamente intolerantes com os homossexuais, que estão a todo momento apontando ou ridicularizando, são aquelas que têm problemas seriíssimos em relação à sua sexualidade.
"Segundo Freud, as pessoas que são extremamente intolerantes com os homossexuais são aquelas que têm problemas seriíssimos em relação à sua sexualidade"
O senhor falou há pouco de parlamentares estrangeiros que assumem a sua homossexualidade, independente do cargo que exerçam. No Brasil, os parlamentares homossexuais que por ventura existirem também não se sentem constrangidos em assumir essa condição? Não seriam também eles vítimas do preconceito?
São poucos os destaques da política nacional que não foram alguma vez, caluniosa ou injuriosamente, apontados como homossexuais, de presidente da República a senadores, passando por ministros e deputados. O preconceito machista da nossa sociedade, e a homofobia, que é essa intolerância à homossexualidade, faz com que os que não seguem a cartilha da maioria, ou seja, da heterossexualidade, sejam colocados sob suspeita ou calúnia. Isso é lastimável, porque o exemplo mundial tem mostrado que inúmeros políticos nos países mais desenvolvidos são homossexuais assumidos, o que não os impede de serem tão ou mais competentes ou honestos do que os heterossexuais.
Dirigir-se para essa parte expressiva do eleitorado brasileiro poderia ser um sinal de sensibilidade ou mesmo de um estratégia política diferenciada?
A homossexualidade continua sendo o maior tabu do Ocidente e, particularmente, dos países do Terceiro Mundo, que ainda humilham e discriminam as mulheres, as minorias étnicas e, sobretudo, os homossexuais. Essa discriminação é, em grande parte, patrocinada e oficializada pelas principais religiões, que estão a todo momento obstaculizando sem nenhuma argumentação científica ou política aceitável a equiparação dos direitos dos homossexuais.