Marcos Verlaine*
As recorrentes crises políticas no Brasil têm como pano de fundo a fragilidade dos partidos políticos e a influência que o poder econômico exerce sobre as eleições. Isso ficou mais evidente com as crises do mensalão (2005/2006) e dos sanguessugas (2006) e, agora, com a Operação Navalha da Polícia Federal.
Todas essas crises têm origem na relação promíscua entre o poder econômico e o mandato parlamentar, que muitas vezes não é usado para representar o povo.
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Quando há o desvirtuamento das três funções fundamentais do Parlamento – fiscalizar os atos do Executivo, formular políticas públicas e representar a população – a conseqüência é o comprometimento da imagem da instituição e do próprio processo democrático.
O Poder Legislativo não pode ser visto como canal de expressão de nenhum segmento isolado da sociedade pelo simples fato de ser uma instituição essencial à democracia.
Isto é, o Parlamento brasileiro, no qual predomina um cenário de entrechoques de interesses em suas deliberações, exerce papel fundamental para a democracia, entre outras razões, porque organiza, de modo pacífico, as contradições que a sociedade não quer e nem pode assumir, sob pena de jogar o país na barbárie.
Com o objetivo de contribuir para que o movimento sindical, em particular, e o povo, em geral, participem desse debate, o Diap apresenta um quadro geral das proposições em discussão no Legislativo.
A reforma é considerada por todos que militam na política como a “mãe” de todas as reformas. Hoje há uma posição majoritária sobre a necessidade de, finalmente, fazê-la. Entretanto, cada um dos 594 congressistas – 513 deputados e 81 senadores – tem uma reforma na cabeça, ou seja, todos a querem, mas há divergências insuperáveis sobre quase tudo que envolve a reforma.
A questão está dividida em duas vertentes: uma, minoritária, que não quer mudar nada; e outra, majoritária, que quer mudar tudo. Será preciso então construir uma síntese em relação a essas duas posições. Evidentemente que os que querem manter tudo como está não têm nenhuma condição de sustentar esta posição. Assim, divergências à parte, tudo indica que a reforma sai. A questão é: qual reforma?
O debate gira em torno de cinco eixos, contidos agora no PL 1.210/07, que substituiu o PL 2.679/03, da Comissão Especial da Reforma Política, e outras 100 proposições: i) financiamento público exclusivo de campanha; ii) cláusula de barreira ou de desempenho; iii) fim das coligações nas eleições proporcionais – vereadores, deputados estaduais e distritais, no caso do DF, e federais; iv) instituição da figura da federação partidária; e v) lista fechada e bloqueada.
O PL 1.210 é de autoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP) e trata das pesquisas eleitorais, do voto de legenda em listas partidárias, do funcionamento parlamentar, da propaganda eleitoral, do financiamento de campanha e das coligações partidárias, alterando a Lei 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei 9.096, de 19 de setembro (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).
A apresentação desse projeto foi o resultado de amplo acordo entre as bancadas partidárias para superar e simplificar o debate sobre a reforma política.
Financiamento público exclusivo de campanha
O projeto determina que as eleições sejam financiadas exclusivamente com recursos públicos. Candidatos, partidos, coligações e federações estarão proibidos de receber, direta ou indiretamente, doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro, inclusive publicidade de qualquer espécie, para o financiamento de campanhas eleitorais.
A pena para o partido ou a federação que descumprir a lei, além do crime de abuso de poder econômico, será a perda do direito de receber os recursos do Fundo Partidário. Para as pessoas físicas que fizerem doação para campanha eleitoral, o projeto estabelece multa em valor equivalente de cinco a dez vezes à quantia doada. Para as empresas ou pessoas jurídicas, além de multa, é prevista a proibição de participarem de licitações públicas e celebrarem contratos com o poder público.
Os recursos para o financiamento público das campanhas eleitorais sairão do Orçamento da União. Em ano eleitoral, o orçamento incluirá dotação destinada ao financiamento das campanhas, em valor equivalente ao número de eleitores do país multiplicado por R$ 7, tendo como referência a quantidade de eleitores existente em 31 de dezembro do ano anterior ao da lei orçamentária.
Cláusula de barreira ou de desempenho
Desde 1997, a lei partidária instituiu, para vigorar a partir de 2006, uma cláusula de barreira que exige dos partidos, como condição para o funcionamento parlamentar, atingir a votação de 5% do eleitorado nacional, sendo 2% em pelo menos nove unidades da federação. Mas o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, derrubou a regra, em 7 de dezembro de 2006, por considerá-la restritiva, portanto, inconstitucional.
O projeto retoma a idéia da cláusula de barreira, mas reduz essa exigência, permitindo que partidos ou federações que na última eleição para a Câmara dos Deputados tenham elegido representantes – em pelo menos cinco estados e recebido no mínimo 2% dos votos válidos apurados nacionalmente, distribuídos, no mínimo, em 1/3 dos estados – tenham direito a funcionamento parlamentar.
O partido que não atingir a cláusula de desempenho não terá direito ao funcionamento parlamentar. Ou seja, não terá direito a formar bancada, com direito a escolher livremente um líder, ter acesso ao fundo partidário, à propaganda gratuita no rádio e na televisão e a participar das diversas instâncias da Câmara, como da Mesa Diretora e das comissões permanentes, tomando como base o princípio da proporcionalidade de deputados eleitos pelos partidos.
Se o Supremo não tivesse declarado inconstitucional a exigência de 5% do eleitorado nacional, sendo 2% em pelos menos nove unidades da Federação, apenas sete partidos teriam direito ao funcionamento parlamentar – PMDB, PT, DEM, PSDB, PP, PDT e PSB.
Fim das coligações nas eleições proporcionais
O projeto proíbe coligações nas eleições proporcionais – vereadores, deputados estaduais e distritais, no caso do DF, e deputados federais. A possibilidade de coligação ficará limitada à eleição majoritária – presidente da República, governador e prefeito.
Essa regra, combinada com a cláusula de barreira, praticamente excluiria da representação parlamentar os pequenos partidos, especialmente aqueles ideológicos. A solução para que os pequenos partidos sobrevivam à alteração da legislação é proposta na instituição da federação de partidos.
Federação partidária
A instituição da federação partidária é, em certa medida, uma maneira de compensar o fim das coligações nas eleições proporcionais e a adoção da cláusula de barreira. A lei permitirá que duas ou mais agremiações partidárias se unam para disputar as eleições.
Poderão constituir federação partidária e terão direito ao funcionamento parlamentar os partidos (dois ou mais) que, na última eleição para a Câmara dos Deputados, tenham obtido apoio de, no mínimo, 2% dos votos válidos apurados nacionalmente, distribuídos em, no mínimo, um terço dos estados, elegendo, pelo menos, um representante em cinco desses estados.
Os requisitos para a constituição de federação partidária são os seguintes: a) só poderão integrar a federação os partidos com registro definitivo no TSE; b) os partidos que constituírem federação deverão permanecer a ela filiados por, no mínimo, três anos; e c) nenhuma federação poderá ser constituída nos quatro meses anteriores à eleição.
Lista fechada e fidelidade partidária
Atualmente, o eleitor tem a prerrogativa de alterar a ordem da lista partidária, que é aberta. Ou seja, o eleitor vota em um partido, mas pode escolher o candidato. No sistema proposto, de lista fechada e bloqueada, em vez de votar no candidato, o eleitor passará a votar no partido ou na federação partidária, em lista fechada e bloqueada organizada pelos partidos, sem, portanto, o poder de alterar a ordem estabelecida pelo partido ou federação.
O partido ou federação elegerá, na ordem previamente estabelecida, tantos candidatos quantas vezes alcançar o quociente eleitoral, que corresponde à divisão entre o número de votantes e o número de vagas existente em cada estado.
Poderão ser registrados por cada partido ou federação candidatos em listas para a Câmara dos Deputados, assembléias legislativas (estaduais) e câmaras de vereadores até 150% do número de lugares a preencher.
De acordo com o projeto, a ordem de precedência dos candidatos na lista partidária corresponderá à ordem decrescente dos votos por eles obtidos na Convenção (10 a 30 de junho do ano eleitoral). O estabelecimento da ordem dos candidatos na lista de federação partidária obedecerá ao disposto no respectivo estatuto.
Com o sistema de lista fechada e bloqueada, a fidelidade partidária passa a ser automática, na medida em que o mandato parlamentar será de propriedade do partido e não mais do parlamentar.
Fundo Partidário
Uma nova lei foi aprovada este ano (Lei 11.459/07) alterando a distribuição de recursos públicos destinados ao Fundo Partidário.
Pela lei, 95% das verbas do Fundo são distribuídos na proporção dos votos obtidos por cada partido na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. A repartição dos outros 5% será feita igualitariamente entre todos os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A única alteração proposta para o Fundo será a dotação destinada especificamente para o financiamento das campanhas eleitorais em anos de eleição, conforme detalhado em tópico deste texto.
Democracia direta
Outro importante projeto que trata de reforma política é o PL 4.718/04, que cuida da regulamentação dos mecanismos de democracia direta previstos na Constituição Federal, o que inclui o plebiscito, o referendo popular e a iniciativa popular. Este projeto tem amplo apoio dos movimentos sociais.
A proposição foi apresentada como sugestão (SUG 84/04) à Comissão de Legislação Participativa da Câmara, pela Ordem dos Advogados do Brasil. Em 15 de dezembro de 2004 foi aprovada pela CLP e transformada em projeto de lei de autoria da Comissão.
Filiação partidária
Trata-se do PL 1.712/03, que versa sobre a filiação partidária, domicílio eleitoral e horário eleitoral. A proposição foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, cujo relator foi o deputado Rubens Otoni (PT-GO). Está pronto para votação no plenário da Câmara. Depois vai ao exame do Senado.
O projeto amplia, a partir de 2007, o prazo de filiação partidária, como condição para concorrer ao pleito eleitoral em razão de mudança de partido, de um para dois anos. Quanto ao domicílio eleitoral, é mantida a exigência de domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito.
Por último, quanto ao horário gratuito, o projeto estabelece que o número de representantes de cada partido na Câmara, para efeito de horário gratuito de televisão e rádio, será aquele obtido na última eleição geral.
Outras proposições
Além das mais de 100 proposições que foram incorporadas ao PL 1.210, existem outras matérias que tratam da fidelidade ou infidelidade partidária e da cláusula de barreira, na Câmara e no Senado. Veja:
Câmara dos Deputados
PL 8.039/86 (PLS 159/86), do ex-senador Jamil Haddad (PSB-RJ), que dispõe sobre a proibição de propaganda oficial e dá outras providências.
Projetos anexados: PLs 5.654/90, 1.562/99, 2.220/99, 3.383/00, 3.428/00, 4.593/01, 5.268/01, 5.308/01, 5.459/01, 5.618/01, 5.801/01, 7.293/02 e 5.975/05.
PEC 446/05, do ex-deputado Ney Lopes (DEM-RN), que dispõe sobre a não aplicação da ressalva do artigo 16 da Constituição Federal, ao pleito eleitoral de 2006.
Amplia para 31 de dezembro de 2005 o prazo para aprovação e vigência de leis que alterem o processo eleitoral de 2006. A proposta está pronta para discussão, em primeiro turno, no plenário da Câmara. Era uma medida casuística, que perdeu o objeto.
Propostas anexadas: PECs 456/05 e 466/05.
PEC 71/07, do deputado Márcio Junqueira (DEM-RR), que dá nova redação aos artigos 14, 17, 28, 37, 45, 46, 49, 56 e 82 da Constituição Federal, institui o voto facultativo, altera a data da posse do governador de estado e do Presidente da República, institui o sistema distrital misto nas eleições proporcionais, dispõe sobre a remuneração de deputados federais e senadores, a contratação de parentes de autoridades da administração pública, institui a candidatura avulsa, veda a reeleição do Presidente da República, governador de estado e do Distrito Federal e prefeitos, estabelece regras sobre renúncia de mandato e reeleição de senadores, deputados federais, estaduais e distritais e vereadores, reduz o número de senadores e estabelece regras para o reajuste do subsídio de deputados federais e senadores.
PLP 35/07, do deputado Luciano Castro (PR/RR), que altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Torna inelegível o candidato que mudar de partido nos quatro anos seguintes, a contar da data de sua diplomação ao cargo para o qual foi eleito – fidelidade partidária. O projeto está pronto para votação no plenário da Câmara. Depois, vai ao exame do Senado.
Caso venha a ser aprovada a lista fechada e bloqueada, o parlamentar que mudar de partido, além de perder o mandato, fica inelegível por quatro anos.
PEC 42/95, da deputada Rita Camata (PMDB-ES). Dá nova redação ao artigo 55 da Constituição Federal estabelecendo que perderá o mandato o deputado ou senador que se desfiliar voluntariamente do partido sob cuja legenda foi eleito. A proposta está pronta para votação na Comissão de Constituição e Justiça.
PEC 4/07, do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que dá nova redação ao artigo 55 da Constituição Federal, dispondo sobre a perda de mandato de deputados e senadores, inclusive por infidelidade partidária. Inclui a infidelidade partidária como causa de perda de mandato; extingue o voto secreto no processo de cassação de deputados e senadores. A proposta foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Agora, será designada uma comissão especial para análise do mérito.
PLP 70/07, do deputado João Almeida (PSDB-BA), que altera a Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, para incluir a infidelidade partidária como critério de inelegibilidade. Assim, “para solucionar a questão pela via infraconstitucional, basta que sejam estipuladas regras sobre a filiação partidária de forma a garantir que o candidato eleito permaneça no partido pelo período mínimo de uma legislatura ou de um mandato, que é o tempo necessário ao cumprimento da representação que lhe foi outorgada pelo voto”, propõe.
Senado Federal
PEC 46/05, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que estabelece disposição transitória para aplicação do artigo 16 da Constituição Federal – “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. A proposta está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça, onde aguarda designação de relator.
PEC 23/07, do senador Marco Maciel (DEM-PE), que altera os artigos 17 e 55 da Constituição Federal, para assegurar, aos partidos, a titularidade dos mandatos parlamentares (fidelidade partidária). A proposta aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça.
PEC 29/07, do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que altera o artigo 17, § 1º, da Constituição Federal, para admitir coligações eleitorais apenas nas eleições majoritárias. A proposta será discutida na Comissão de Constituição e Justiça, onde aguarda designação de relator.
PEC 40/07, do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que altera os artigos 17 e 55 da Constituição Federal, para estabelecer a fidelidade partidária. A proposta será discutida na Comissão de Constituição e Justiça, onde aguarda designação de relator.
PEC 2/07, do senador Marco Maciel (DEM-PE), que acrescenta parágrafo ao artigo 17 da Constituição Federal, para autorizar distinções entre partidos políticos, para fins de funcionamento parlamentar, com base no seu desempenho eleitoral. Institui cláusula de desempenho como requisito para o funcionamento parlamentar dos partidos. Dessa forma, a cláusula, que restringe a participação parlamentar dos partidos que não atingirem 5% dos votos válidos para deputado federal em todo o país, distribuídos em, pelo menos, nove estados com, no mínimo, 2% em cada um.
* Jornalista e assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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