Na semana em que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal espera votar o parecer do senador Luís Henrique (PMDB-SC) sobre o projeto de lei de reforma do Código Florestal, novas enchentes em Santa Catarina servem de alerta para os crescentes e graves problemas que resultam dos processos de urbanização inadequada, desmatamento e mudanças climáticas.
Santa Catarina não é a vilã nacional. Os processos de degradação ambiental que ocorrem lá também estão sendo presenciados em diversas partes do Brasil. No entanto, a situação deste estado é peculiar, e o histórico de problemas, dramático e elucidativo.
Uma rápida pesquisa em dados disponíveis na Internet permite identificar que ocorreram inundações em 1974, 1983, 1985, 1987, 1992, 1995, 1997, 1998, 2000, 2001, 2002, 2003, 2008, 2010 e a atual. Muitas vezes, ocorreu mais de uma catástrofe por ano.
Segundo levantamento da professora Maria Lúcia de Paula Herrmann, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), entre 1980 a 2007 “ocorreram 1.229 inundações graduais, 701 inundações bruscas, 140 de escorregamentos, 780 de estiagens, 422 de granizos, 549 de vendavais e 43 episódios de tornados.”
Neste ano de 2011, a enchente é a segunda a ocorrer, pois no mês de janeiro 83 cidades foram atingidas e mais de 26 mil pessoas tiveram que deixar as suas casas. Segundo a Defesa Civil catarinense, aproximadamente 46% dos municípios do estado entraram em situação de emergência ou calamidade pública em 2011. De acordo com dados preliminares do censo populacional do IBGE, dos municípios que vivenciaram esses problemas em 2011, 50% tiveram um aumento populacional entre 2000 e 2010 maior do que a média para o estado de Santa Catarina, e em 58% dos municípios a população cresceu mais do que a média para a região Sul.
Em 2011, 68% dos municípios catarinenses com mais de 30 mil habitantes tiveram problemas com eventos climáticos. Pior: 89% dos municípios com mais de 50 mil habitantes passaram por inundações ou deslizamentos de terra em encostas! Ou seja, os principais centros econômicos de Santa Catarina são os mais afetados pelas chuvas.
Os catarinenses possuem estudos científicos, cooperação internacional, um comitê de bacia hidrográfica, uma agência de águas e um parque nacional na Serra do Itajaí, criado em 4 de junho de 2004, com uma área de 57.374 hectares e altitudes que variam de 80 a 1039 metros. Após as enchentes de 2008, foi criado o Plano Integrado de Preservação e Mitigação de Riscos e Desastres Naturais da bacia Hidrográfica do Rio Itajaí, e em maio de 2010 foi finalizado um Plano Diretor de Recursos Hídricos. As medidas recomendadas são praticamente universais, adotadas em outras localidades do Brasil e do exterior.
Elas incluem diversas ações, que partem dos seguintes princípios: as dinâmicas de cheias dos rios precisam ser reconhecidas e respeitadas por meio da preservação das áreas nas suas margens; a agressão aos rios precisa diminuir e devem ser implementados instrumentos de gestão de recursos hídricos; é preciso construir um sistema de informações e envolver os municípios; promover saneamento; promover a revisão dos planos diretores municipais em função das áreas de risco evidenciadas em desastres recentes; regular o uso da água, entre outras medidas.
Veja-se que os custos de inundações e deslizamentos para a economia catarinense e nacional são tremendos. O governo federal realiza desembolsos extraordinários para mitigar os problemas das enchentes em Santa Catarina há quase três décadas. Também socorreu diversos outros estados e terá que continuar prestando tal auxílio, pois infelizmente os problemas devem continuar, uma vez que nosso padrão de urbanização avançou sobre as áreas de várzea. Até mesmo estradas federais foram construídas à beira dos rios.
A situação atual requer enorme responsabilidade pública. Os cofres federais e estaduais têm despendido milhões de reais para atendimento às vítimas, recuperação ambiental e recuperação econômica de uma situação gerada principalmente a partir de ganhos privados e de má gestão pública. A apropriação inadequada do solo por entes privados e a má gestão pública que, por omissão ou conluio permitiu tal fato, deve a partir de agora ser considerada para fins de punição e ressarcimento dos cofres públicos.
O governo federal publicou no dia 1 de setembro o Decreto Nº 7.513, que cria o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), a ser comandado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Com investimentos de R$ 250 milhões, o centro vai inicialmente monitorar 25 cidades com cartas geotécnicas prontas. A lista dos municípios será definida pelo Ministério das Cidades. É pouco, mas é um começo.
O monitoramento de problemas é extremamente relevante, mas é melhor prevenir do que remediar. Em abril deste ano, a Secretaria Nacional de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional, realizou o primeiro Seminário Internacional sobre Gestão Integrada de Riscos e Desastres. Uma das lições é que a avaliação de risco precisa ser incorporada à gestão pública.
O Código Florestal não é apenas um instrumento de regulação de florestas. Ele compreende as principais dimensões de proteção dos recursos naturais em solo, incluindo as zonas urbanas (art. 4º). Na proposta que a Câmara enviou para o Senado Federal, os cursos de água em áreas urbanas devem preservar a vegetação em uma faixa de 30 metros de cada uma de suas margens. A matéria, que deverá ser votada nesta quarta-feira, na Comissão de Constituição e Justiça, ainda terá seu mérito discutido nas comissões de Agricultura e Reforma Agrária; Meio Ambiente, Defesa do Consumidor; e ainda na Comissão e Fiscalização e Controle.
Uma importante lição dos atuais fatos em Santa Catarina é que a análise de mérito do Código Florestal precisa ser feita à luz dos problemas climáticos já existentes, como também dos riscos relativos a eventos futuros. Não se trata de “naturalizar” o problema de enchentes, atribuindo-o às mudanças climáticas. Porém, elas precisam ser levadas em consideração num quadro dramático já existente de urbanização inadequada de encostas e ocupação das margens dos rios.
Com relação a riscos, conforme pronunciamento da Agência Nacional de Águas, a redução das áreas de preservação permanente pode comprometer a resiliência das nascentes de águas, como já compromete a resiliência dos cursos d´água em relação à vazão, favorecendo enchentes.
Um risco não gerenciado hoje terá grandes chances de ocorrer no futuro. Os atuais desastres ambientais, humanos e econômicos são, portanto, resultado de riscos não gerenciados pelos poderes públicos nas últimas décadas.