Celso Lungaretti*
Cantei a bola nos dois artigos que escrevi antes do 1º turno: foram eleições sem opções e sem esperanças.
Só havia candidatos do sistema. Fernando Gabeira acabou sendo o único que pareceu remotamente vir na contramão, devido à desigualdade de recursos que fez lembrar as antigas campanhas de “o tostão contra o milhão”.
Mas, com seus elogios ao capitalismo, seus recuos das antigas posições “radicais” e as médias que andou fazendo junto aos mercadores da fé e aos senhores das armas, logo dissipou as tênues esperanças que restavam.
Não era mais Gabeira, embora continuasse usando o rótulo. Virou Qualquer-Coisa. E, como Fernando Qualquer-Coisa, perdeu.
Assim como Marta deixou de ser Suplicy há muito tempo, mas continua usando o sobrenome que hoje não passa de rótulo.
Foi como Suplicy que ela venceu uma vez – e tão-somente porque escondeu do eleitorado que já deixara de sê-lo, na verdade.
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Sem o digno sobrenome, o que sobra? Uma sexóloga de TV com todo jeitão de dondoca daslu. Que nunca seria candidata petista no tempo em que o partido era ideológico. E, agora, mostrou ser uma mala sem alça até mesmo para o PT fisiológico…
Os analistas da imprensa destacam a cristalização de uma nova direita em São Paulo, abarcando o que restou do velho udenismo, do adhemarismo, do janismo, do quercismo e do malufismo, em amálgama nauseabundo com forças de esquerda que guinaram à direita (o velho PCB, o tucanato…).
O certo é que a costura desses restos mortais numa nova criatura política, com Serra no papel de Dr. Frankenstein, foi muito facilitada pela extremada rejeição da classe média paulistana a Marta Qualquer-Coisa e ao próprio petismo.
Pesam contra Marta os estigmas de introdutora de taxas extremamente antipáticas, como a do lixo; de construtora de dois túneis unanimemente tidos como superfaturados, mal concebidos e mal executados; e de arrogante quando criticada, como da vez em que destratou uma dentista cujo consultório fora inundado pelas enchentes e da outra vez em que mandou os torturados pela espera infinita nos aeroportos relaxarem e gozarem.
O PT, por sua vez, carrega o desgaste do mensalão e da traição a suas bandeiras históricas, como a de repúdio aos bancos e ao grande capital. Em vez de governar para os pobres e para a classe média, como prometera, está governando para os muito pobres (que lhe dão votos) e os muito ricos (que lhe garantem poder).
Nada a estranhar, portanto, em que tenha transformado em inimiga a classe média mais encorpada e influente do país, a de São Paulo.
O quadro, depois das eleições municipais, é desalentador.
De um lado o PT reformista/assistencialista, sem a mais remota veleidade de romper as amarras de um modelo econômico que perpetua a desigualdade e a exclusão social.
Do outro, o novo bloco conservador capitaneado pelo PSDB, com o DEM reduzido a coadjuvante de luxo.
E o velho centrão, com o PMDB à frente, barganhando seu apoio no atacado e no varejo.
Pior do que isso, só mesmo o boato de que Lula estaria prestes a desembarcar do PT e vestir uma fantasia de tucano, para ajudar a eleger Serra em 2010, com a contrapartida de ser ele o candidato presidencial em 2014.
Só o fato de que esta hipótese hoje não choca ninguém já é um atestado eloqüente do descrédito dos políticos, sem exceção, aos olhos do cidadão comum.
Se consumada, será a ignomínia suprema.
* Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista e escritor. Mantém os blogs O Rebate, em que disponibiliza textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
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