“O jornal de manhã chega cedo,
Mas não traz o que quero saber.
As notícias que leio conheço,
Já sabia antes mesmo de ler”
Domingou, de Gilberto Gil
Vamos deixar por enquanto os versos da velha canção de Gilberto Gil, dos tempos da Tropicália, quietos aí no alto. Devagar, nós vamos chegar até eles. No final da semana passada, fui convidado a participar do programa “Comitê de Imprensa”, da TV Câmara. Trata-se de um espaço interessante, no qual jornalistas são convidados a comentar a cobertura política da imprensa. Eu, o apresentador Paulo José Cunha e o jornalista João Domingos, do Estado de S. Paulo, discutimos, então, a antecipação da campanha política. Bem antes do que seria normal, levados pela agenda que o presidente Lula imprimiu, ao lançar tão cedo sua candidata à sucessão, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, os jornais, especialmente os jornais impressos, permitiram que a eleição presidencial dominasse quase que por completo as páginas de política. Na discussão sobre se isso representava uma presença maior do governador de São Paulo, José Serra, nas páginas, dada a suposta preferência das elites por ele, chegamos à história do PIG, o tal “Partido da Imprensa Golpista”, que o PT e o governo inventaram para classificar aqueles que fazem matérias muito críticas sobre eles. Na resposta, eu acabei inventando um outro partido também: “A verdade é que, se tem o PIG, tem também o Paiol”, respondi. Paiol é a sigla para Partido dos que Amam, Idolatram e Ovacionam Lula.
O que vem acontecendo? Na estratégia que alinhavou para a sua sucessão – e que está conseguindo estabelecer –, Lula buscou limitar a disputa entre a sua candidata e o candidato que representasse a oposição a ele. A eleição, assim, seria um plebiscito: os que aprovam seu governo, votam em Dilma; os que reprovam, votam em Serra. Na solidão em frente à urna, fica reservado ao eleitor uma leitura maniqueísta, sem direito a nuances, da realidade brasileira. Uma visão que impediria ao eleitor gostar de algumas coisas, mas ter restrições a outras; ou detestar a maior parte, mas ressalvando alguns pontos. É o tal Fla X Flu, como chamam alguns. O que acontece é que se tenta transferir a visão maniqueísta da eleição polarizada para as páginas dos jornais. Quem critica o governo, é contra ele. É do PIG. E se alguém elogia, é totalmente a favor. É do Paiol. Nós aqui no Congresso em Foco, não vamos cair nessa armadilha. Todos os repórteres e editores do site são eleitores, e votarão em alguém. Mas o site não será nem Fla nem Flu. Nem Olaria ou Madureira. Só vai assistir ao jogo.
O PIG existe? Em determinado momento, após o mensalão, houve, sim, de parte de alguns veículos da imprensa, um esforço grande de campanha para evitar que Lula se reelegesse. Muita coisa foi – e ainda é – publicada sem os cuidados necessários de apuração, para prejudicar o governo e o PT. Tudo isso é verdade. Mas é verdade também que o governo aprendeu a tirar proveito político disso. Depois que saiu das cordas, após a reeleição de Lula, o governo compreendeu que, diante dos exageros que realmente aconteceram, podia fazer um discurso de vitimização a cada ataque. Em vez de explicar, replicar, melhor dizer que qualquer denúncia, qualquer crítica, é obra do PIG. Principalmente se encontrar algum jornalista do Paiol disposto a reverberar isso.
O problema é que chegamos a uma situação em que a realidade nada contribui para aumentar o grau de informação do leitor/eleitor. Se eu não gosto do governo, encontro uma série de publicações, jornalistas e articulistas que não gostam também. Vou lá, os leio, e saio satisfeito de ver os meus conceitos e pontos de vista ratificados por eles. Se eu gosto do governo, tenho também publicações, sites, jornalistas e articulistas para repetir o que eu já penso e sei. Assim, em vez do ofício de informar, ficam uns e outros na arte de amaciar os egos da turma que já conquistaram. Chegamos, então, aos versos de Gilberto Gil, com uma leitura nova. Se o nosso compositor tropicalista, antes de ser ministro da Cultura, reclamava dessa mesmice, hoje parece haver um grande número de leitores que parece adorar transformar suas leituras em meros espelhos dos seus cérebros e suas almas. Ao se enxergarem ali, somente ratificam o que já sabem e pensam. Bem, se alguém quiser buscar algo de novo, eu recomendo uma leitura: o site Congresso em Foco.