Rudolfo Lago*
A vantagem que leva Lula a vencer as eleições já no domingo, de acordo com as últimas pesquisas, é de menos de 3%. Como nas duas últimas eleições, houve uma diferença de 1% entre o percentual dado ao vencedor pelos institutos e o que efetivamente saiu das urnas, pode ser que essa vantagem de cara já se reduza para menos de 2%
Tenho por princípio que jornalista é uma coisa, vidente é outra. Sempre resisti a pressões de chefes para cravar resultados, antecipar placares, etc. Acho que a gente tem o dever de apontar tendências, observar as ondas que ocorrem nos humores do eleitorado ou dos políticos. Mas resistindo à arrogância de querer ser Deus e dizer aos "incautos" o que o futuro nos reserva. Em 2002, houve espaço para que os analistas políticos escrevessem em determinados momentos colunas diversas com títulos como "Por que Serra será eleito" ou "Por que Roseana será eleita" ou "Por que Ciro será eleito". Quem não resistiu às pressões e saiu-se com uma dessas quebrou a cara. A minha eu quero preservar intacta.
O que se pretende, portanto, aqui, às vésperas da eleição, é fazer um exercício em cima de uma hipótese que não deve ser desprezada. A consistência por mais de um ano de índices absolutamente favoráveis ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia levar – e efetivamente leva – alguns analistas a cravarem com certeza absoluta de que ele já sairá reeleito após o pleito de domingo. É o que também apontam todas as pesquisas de intenção de voto nos últimos dias.
Pois bem: este colunista recomenda cautela e caldo de galinha. Quando das duas últimas pesquisas do Ibope e Datafolha, o dado que mais se explorou foi que a vantagem de Lula sobre a soma dos votos dos demais candidatos era de cinco pontos percentuais. E tinha caído de um percentual anterior de 8%. Ocorre é que a verdade mesmo é que a vantagem de Lula é menor ainda. O dado que deve ser levado em conta – porque é assim que o Tribunal Superior Eleitoral computa os votos – é a vantagem contada apenas sobre os votos válidos. E, nesse caso, Lula tem 53% dos votos. Ou seja, é menos de 3% o que separam a sua vitória no primeiro da hipótese de um segundo turno.
Embora a diferença não seja muito grande, nas duas últimas eleições, houve uma diferença para mais entre o que davam as pesquisas mais ou menos nessa época e o resultado final do pleito. Em pesquisa realizada nos dias 26 e 27 de setembro de 2002, Lula aparecia no Datafolha com 47,1% dos votos válidos. Abertas as urnas, o seu percentual foi de 46,4%. Em 1998, aconteceu o mesmo com Fernando Henrique Cardoso. Pesquisa do Datafolha dos dias 24 e 25 de setembro atribuíam a ele 54,1% dos votos válidos. Ele, na verdade, teve 53,1%. Ou seja, há aí uma diferença de mais um ponto percentual. Poderia reduzir a vantagem real de Lula para, então, menos de 2%.
Aí, então, precisamos observar os efeitos dos últimos acontecimentos. Se Lula estancou a pequena queda que tinha ou se sangrou um pouco mais com os últimos acontecimentos. O debate da TV Globo teve uma média de audiência de mais de 30 pontos. Nada desprezível. E mesmo que os candidatos tenham desperdiçado possibilidades em alguns momentos (especialmente Alckmin – é incrível como é de fato insosso o picolé de chuchu), o enfoque no fantasma de Lula habitando aquela cadeira vazia deve ter produzido algum efeito. Até porque a TV Globo deixou muito clara a sua insatisfação com a ausência, fechando seguidos focos na cadeira vazia e fazendo William Bonner ler editoriais de desaprovação tanto antes no Jornal Nacional quanto na abertura do debate um pouco depois.
Para completar, aparece a imensa parede do dinheiro usado na desastrada operação de tentativa de comprar um dossiê contra José Serra. Uma dinheirama muito menor derrubou Roseana Sarney na eleição de 2002. Lula é hoje um mito. Algo muito mais consistente. Mas a verdade é que os efeitos que não se fizeram sobre ele – ou, pelo menos ainda não foram registrados pelos institutos de pesquisa – parecem ter já se abatido sobre o PT. Duas viradas registradas pelos institutos nas últimas horas são exemplo disso: Yeda Crusius, do PSDB, passou Olívio Dutra, do PT, no Rio Grande do Sul, e Eduardo Campos, do PSB, passou Humberto Costa, do PT, em Pernambuco.
Enfim, pode dar logo a vitória de Lula no primeiro turno. Ela é bem provável. Mas não se deve desprezar a hipótese de que isso não aconteça. E aí, o que virá em seguida é imprevisível. Lula e o PT estarão atônitos, diante de uma hipótese com a qual já não mais contavam. Será que perderão tempo na rearticulação do seu fôlego para o segundo turno? Qual a possibilidade que tem Lula de agregar mais apoios além dos que já tem numa segunda volta?
Do outro lado, Alckmin estará eufórico com uma hipótese com a qual também a sua turma, na verdade, já não contava. Vai em busca dos apoios. Talvez tenha mais condições de agregar votos no segundo turno. Mas será que agrega todos? Como se comportarão os eleitores de Heloisa Helena? A turma mais de esquerda vota em Alckmin ou em Lula? Ou anula seu voto? Como se comportará a própria Heloisa? E Cristovam? Se houver segundo turno, acontecerá toda a emoção que faltou ao primeiro.
* Jornalista há 20 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ e produz o site http://www.rudolfolago.com.br/.