Paulo Pimenta*
Já há algum tempo, venho chamando a atenção dos meus colegas de Parlamento sobre a necessidade de uma alteração significativa no regimento interno da Câmara para ampliação dos espaços de participação popular e de controle da sociedade civil sobre as questões administrativas da Casa. Alguns avanços ocorreram no último período, é verdade. Especialmente no acompanhamento dos gastos das cotas parlamentares, publicados no portal da Câmara dos Deputados, mas estamos ainda longe de onde precisamos chegar.
Quando da aprovação da Constituição de 1988, o parágrafo 2º do artigo 61 foi saudado como um grande avanço, afinal, a possibilidade da aprovação de projetos de lei de iniciativa popular foi um marco que mereceu registro, principalmente se considerarmos o momento político da época. Segundo o texto constitucional, 1% de assinaturas de eleitores em pelo menos cinco estados possibilita que um projeto de iniciativa popular seja protocolado.
Hoje isso significa cerca de 1,7 milhão de assinaturas que são conferidas uma a uma, milhares descartadas, ao ponto de que poucos foram os resultados práticos desse direito, que na grande maioria dos casos exigiu que algum parlamentar assinasse o projeto para que ele, pelo menos, iniciasse sua tramitação. O estatuto da participação popular, nos termos em que foi consagrado pela Constituição, ainda não foi plenamente exercido, classificado, inclusive, por alguns juristas como instituto decorativo.
Observe-se que naquele período ainda não existia a internet. De lá para cá, fazemos nossa declaração do Imposto de Renda, movimentamos contas bancárias, peticionamos ao poder Judiciário, fazemos transações comerciais, tudo pela internet. Entretanto, no processo legislativo e na possibilidade de participação popular a legislação não avançou, sequer, um milímetro.
A participação popular que se oferece aqui é como uma grife, que dificilmente a população consegue acessar. Digo isso, também, porque mesmo quando da regulamentação dos direitos políticos referentes ao referendo e plebiscito, o Congresso Nacional limitou para si a competência de convocá-los, mais uma vez, estabelecendo uma relação verticalizada com a população.
No último ano, fui presidente da Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara e tive a oportunidade de reunir mais elementos para ter ainda mais convicção das medidas que continuarei a defender. O parlamento é quase impermeável à presença real da sociedade nas suas decisões, prova é que a CLP, comissão que recebe proposições da sociedade, foi a única que teve cassada sua possibilidade de apresentar emendas ao Orçamento Geral da União.
Tal compreensão conservadora se revela de maneira mais nítida, quando medida singela adotada para permitir que internautas formulassem perguntas, em tempo real através do site da Agência Câmara, durante os debates e audiências públicas das comissões permanentes teve sua vigência de uma semana suspensa, ao que tudo indica porque algum burocrata entendeu que tal medida atentaria contra os princípios da democracia representativa.
A ordem do dia, ou seja, a decisão dos temas que chegam ao plenário é competência privativa do Presidente, que por conveniência política, costuma ouvir o colégio de líderes. Portanto, mesmo que um projeto de lei, de autoria de um parlamentar ou mesmo de iniciativa popular, seja aprovado em todas as comissões, não há nada que possa assegurar que um dia ele será apreciado pelo plenário.
Dessa forma, proponho que o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), crie um grupo de trabalho com atribuição específica de, até o final deste semestre, sistematizar projetos lei e iniciavas que tratem de mecanismos de ampliação da participação popular no processo legislativo e no acompanhamento dos demais assuntos da Casa.
Para que isso se torne realidade, entendo que as medidas implementadas devam possibilitar a participação popular na elaboração da pauta do plenário; utilização da internet como ferramenta de participação e apoiamento de projetos de iniciativa popular; possibilidade dos internautas interagirem em tempo real nas atividades promovidas pelas comissões; participação da comissões na elaboração da pauta do plenário; entre outra medidas a serem desenvolvidas e elaboradas por esse grupo.
Sem dúvida, a transparência é o principal caminho para sintonizar o poder Legislativo com a pauta real da sociedade brasileira. Entendo que a participação não pode ser limitada apenas pela escolha do voto. Entretanto, as medidas tomadas aqui, nesta Casa Legislativa, até que se prove o contrário, parecem buscar afastar das decisões do Congresso a população.
A internet se consolidou como uma ferramenta revolucionária de organização social, sem estabelecer relação de conflito com as outras formas tradicionais de participação. E se as ferramentas tecnológicas nos oferecem tantas possibilidades, por que não utilizá-las?
*É jornalista e deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul.