Descobri um tremendo escritor: César Cardoso. Faz tempo que sou leitora de carteirinha da sua crônica na Caros Amigos. Um sujeito totalmente na dele: se eu fosse desses críticos rasos, tipo Manoel da Costa Pinto ou Cassiano Elek (nada pessoal, rapazes!) diria que “são textos hilariantes cuja marca registrada é o nonsense”. Aliás, só a prodigiosa façanha de formular tal frase já dava para esses dois ganharem o dia.
O César até pode ser definido assim, quer dizer, ao alcance duma frase de efeito, mas não é só isso, não é bem isso, é malditamente outra coisa. Ali, a esculhambação e a ficção atuam no mesmo nível, tanto quanto a invenção e a ironia, tudo em ritmo de trem-bala. Sua marca registrada são personagens, situações, fatos históricos, citações apócrifos – falsos, inventados – que é a especialidade de Jorge Luís Borges, nada menos. Mas requer um tremendo cabedal de leituras: quando eu era muito jovem, jamais achei Borges engraçado. Mas com o tempo e uma milhagem estratosférica de leituras, percebi, vexadissima, que fundamentalmente e sobretudo, JLB é um humorista refinado.
Voltando ao César: recentemente li no blog dele um texto altamente etílico. Inflamável, irresistível. Então decidi muito filhadaputamente meter minha colher torta e interferir em alguns momentos do texto dele, precisamente porque sou uma escritora erótica, tabagista e etílica (não necessariamente nesta ordem), mas que já está tomando vergonha na cara (excluindo outras partes do corpo onde não se toma vergonha nunca), definitivamente uma escritora com filtro e on-the-rocks. De forma que, se ele ficar meio puto comigo, será só um pouquinho.
“DEZ DOSES
Mark Twain era o pseudônimo de Samuel Langhorne Clemens. Teve uma vida atribulada, viajou bastante, faliu muito e exerceu mais de dez profissões, entre elas a de piloto de barcos no rio Mississipi. Segundo Hemingway, “toda a literatura moderna americana adveio de um único livro de Mark Twain chamado ‘Huckleberry Finn’.” Também foi grande humorista, ótimo frasista e excelente pinguço, como mostram as frases abaixo, que extrai e traduzi de vários artigos de jornal escritos por ele.”
(Agora sou eu: Hemingway também tomava todas. Ele, Pablo Picasso, Nijinsky, Boris Yeltsin, Rin-tin-tin, Roy Rogers, Lassie, Free Willie, King Kong, Nero, a Cuca e Alice B. Toklas. E a profecia de Ernest Hemingway deu tão certo que, atualmente, Huckleberry Finn está mais para pub do que para book).
“10 – Você é daqueles que, à noite, deita a cabeça no travesseiro e dorme tranqüilo? Ninguém te contou que é a essa hora que os bares estão mais animados?
9 – Nunca tive problemas com bebida. Entre um copo e outro sou completamente abstêmio.
8 – Há bares que vêm para o bem!
7 – A bebida arruína o relacionamento familiar. Se for encher a cara, deixe a família em casa.
6 – Meu médico me aconselha a prática de exercícios após as refeições. E eu sempre corro antes que o garçom traga a conta.
5 – Todos nós sentados nessa mesa de bar, numa alegria contagiante! E não faz nem vinte anos que nós éramos o futuro da humanidade.
4 – Cuidado com a ingestão de substâncias químicas. O oxigênio, por exemplo, é uma droga perigosa que causa dependência e pode até levar à morte. Ser você não acredita tente parar de respirar.
3 – Mesmo quando bebo eu nunca me esqueço de nada, com exceção daquilo que não me recordo.
2 – Detesto viagens. A gente demora um tempo enorme pra chegar no bar. E nem conhece o garçom.
1 – Eu bebo por medo dos terremotos. Antes que a terra balance, balanço eu mesmo.
SAIDEIRA – Qual o problema de viver entre as garrafas? Os gênios passam mil anos lá dentro e ainda saem realizando nossos desejos!”
Tudo isso me fez lembrar aquele diálogo entre dois jornalistas, um foca e um veterano, do romance Conversa na Catedral de Vargas Llosa:
– “Prefere o jornalismo à ficção?”
– “Prefiro a bebida. E não faça essa cara, não faço proselitismo.”
Hoje bares? Só com liminares.
(sp. 27.08.2009)