O espaço desta coluna não seria suficiente para sequer elencar os títulos de todas as variedades de direitos humanos que são violados no Brasil de maneira permanente e intensa, mas, tendo em conta essa dificuldade, vou focar na recente declaração da ministra chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Maria do Rosario Nunes, que se manifestou aviltada pela presença numa área do portal do governo de São Paulo, de uma apologia do golpe de estado de 1964, alojada na página do 1º Batalha de Choque da PM (ROTA).
O assunto não é novo. O escritor Celso Lungaretti, principal promotor da campanha, enviou mensagens a três governadores desde 2008, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) fez uma interpelação a Alckmin, e até a Folha de S. Paulo incluiu o tema numa sabatina. Ivan Seixas, outro combativo resistente contra a ditadura, também é ativo militante contra essa apologia do terrorismo de estado, e foi o organizador de uma audiência pública sobre o tema.
Apesar do avanço no conhecimento público do problema, parece impossível acreditar que um ato simples como deletar essa página, requeira toda este esforço. A certeza que a ministra diz ter de que o governador atual tomará providências é uma louvável amostra de otimismo, e uma promessa de que todos os membros da comunidade democrática deverão ter paciência.
O fato não é apenas um simples ato de cinismo das autoridades que, quando são perguntadas pelo fato, aconselham dirigir-se a outra, por exemplo, a SS remete à PM, como se no país e no estado não existisse nenhuma corrente de responsabilidades hierárquicas. (Desculpem, não sou responsável que “Secretaria de Segurança” tenha esse acrônimo!). Em realidade, as forças repressivas que antes tinham o poder efetivo se mantêm aparelhando o estado, como já foi denunciado muitas vezes por especialistas em segurança e militarismo. Pensamos que, se são necessários três anos (mas ainda não suficientes) para eliminar uma apologia do autoritarismo, do genocídio e da tortura escritas numa página de Internet, quantos séculos serão necessários para, pelo menos “amenizar” a aplicação dessas mazelas sociais da vida brasileira? Aliás, essa pergunta tem sentido se não houver golpes antes do que isso.
Aliás, além dessa propaganda do golpismo, que está localizada num site específico, o Estado é generoso em sua apologia de criminosos de estado. Uma ala do Senado leva o nome de um famoso torturador do Estado Novo, viadutos, bairros, escolas e ruas honram os nomes dos representantes da ditadura e seus principais colaboradores ou ideólogos. Propaganda do maior movimento fascista da América Latina, curiosamente fundado no Brasil em 1932, faz escárnio das estruturas democráticas e incentiva o ataque contra os movimentos sociais (“ajudem-nos a destruir o MST!” diz em seu último post de seu site).
O Brasil é um estado federal, mas não é um conjunto de repúblicas independentes. Acredito que o procurador-geral da República deve ter autoridade para denunciar o governador do estado por apologia do crime, já que a ruptura da ordem democrática é um delito previsto na Constituição.
Se o MPF denuncia governadores de estados pequenos por desviar verbas públicas (o que é grave, sem dúvida, mas infinitamente menos do que atos de terrorismo de estado praticados contra a população), ele deve poder denunciar governadores de estados maiores por omitir-se na proibição de crimes de seus subordinados que poderia evitar, como a propaganda golpista da ROTA, consentida, por sua vez, pela SS, que depende do governador.
Em vez de perder seu precioso tempo de eficiente dignitária com conversas cujo resultado é mais do que duvidoso, a ministra deveria pedir ao PGR a imediata denúncia do governador. O atual PGR, diferentemente ao que tínhamos visto até agora, tem demostrado grande sensibilidade pelos Direitos humanos e coragem para defendê-los. O tempo que passa pode ser precioso, e talvez antes do que pensamos, se construa um grande centro do Opus Dei em algum local central da cidade. Por que não?
Aliás, ninguém no continente está querendo ter como vizinha uma nova ditadura. Portanto, a CIDH e a Corte de San José de Costa Rica também seriam fóruns adequados para tratar do assunto. ONGs de direitos humanos podem atuar nesta área (pelo menos na de denúncia pública), mas é importante que o governo federal considere o risco que significa que, dentro de um estado da União, as mais poderosas instituições façam a propaganda do fim do estado de direito, cujos dignitários estão obrigados a defendê-lo. Ninguém pode prever quanto isso pode ser aproveitado para criar uma ponte entre a teoria e a prática.
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