Em mais um front do debate público a luz amarela se acende. E, mais uma vez, o motivo é uma decisão da presidência da República.
Na última semana foi finalmente publicado no Diário Oficial da União o Plano Plurianual (PPA) para o período de 2016 a 2019. Para este PPA, que traz um planejamento das contas federais, as esperanças das organizações da sociedade civil dedicadas à transparência no poder público estavam em alta. Afinal, o texto aprovado em dezembro no Congresso Nacional estabelecia que finalmente fosse realizada uma auditoria da dívida pública. Como, aliás, determina a nossa Constituição Federal desde a sua promulgação em 1988.
Mas dona Dilma não considerou o tema relevante para o PPA e, alegando que a dívida pública já vem sendo monitorada por CGU, TCU, Banco Central e outros órgãos, vetou do texto final a previsão da auditoria. Outra bola fora da presidenta.
Sabemos que os números da dívida pública brasileira são astronômicos. Insustentáveis. Uma rápida consulta à ferramenta “Dividômetro”, na página eletrônica da organização Auditoria Cidadã da Dívida, já dá o tamanho do problema. Nós, cidadãos brasileiros, eleitores e pagadores de impostos, temos sustentado uma dívida interna de pelo menos 3 trilhões e oitocentos bilhões de reais. Segunda a página, nossa dívida externa já beira os 550 bilhões de dólares. Compromissos que já consomem 46% do orçamento federal. Pensem bem, quase metade do que o governo federal tem para investir é usada para rolagem de uma dívida que está bem longe de ser transparente.
Outro aspecto que reforça o aumento da dívida pública é a profusão de incentivos, benefícios e desonerações fiscais e outros com que os governos – não só o federal – vêm aquinhoando setores produtivos que, via de regra, não os usam para benefício de consumidores ou mesmo do meio ambiente. Um bom exemplo é detalhado no mais recente vídeo produzido pela organização Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos (clique aqui) sobre os impostos (não) recolhidos pelo setor da mineração no Brasil. Pelo vídeo, ficamos sabendo que as mineradoras não recolhem ICMS pela exportação de seus produtos, têm isenção de 82% de imposto de renda PJ, além de 25% de isenção em frete marítimo para máquinas, equipamentos e insumos. Não se sabe o total embolsado pelo setor com tantos benefícios, mas a recente tragédia em Mariana/MG mostra que em áreas como prevenção de acidentes os investimentos poderiam muito bem ser maiores do que são. E este é apenas um dos muitos setores beneficiados regularmente por isenções fiscais e outros privilégios.
Evidentemente, uma auditoria na dívida pública é mais do que bem-vinda. Ela é urgente, pois não há país que consiga se sustentar minimamente com metade dos seus recursos sendo escoados para o sistema financeiro não-produtivo. Com os juros básicos da economia em 14,25%, a situação só vai piorar. Aqui, novamente a Auditoria Cidadã da Dívida dá o exemplo. Em 2007, o então presidente do Equador, Rafael Correa, convocou membros da organização para participar de um comitê para ajudar na identificação e comprovação de diversas ilegalidades na dívida do país. O trabalho reduziu em impressionantes 70% o estoque da dívida pública equatoriana e rendeu o convite, ano passado, para atuação em projeto semelhante, desta vez na Grécia, também sufocada por uma dívida pública brutal.
Essa decisão de Dilma pode custar ao país mais alguns bilhões de prejuízos diretos, por conta da dívida pública, e indiretos, pelo aumento do custo de vida especialmente feroz para com as camadas mais carentes da sociedade. Para um grupo que se diz “pelos pobres”, o veto é, na verdade, revelador, na medida em que atende unicamente aos interesses do setor que mais se beneficiou nos últimos 13 anos, o financeiro.
Não é à toa que esta é uma das propostas defendidas aqui no programa Agentes de Cidadania da Voz do Cidadão. O sociólogo Ivo Lesbaupin defende sem rodeios uma auditoria detalhada na dívida pública brasileira. Para ele, “a razão para que não haja recursos suficientes para saúde e educação pública é o pagamento da dívida. A única auditoria que o Brasil fez sobre a dívida foi em 1931, 80 anos atrás, e descobriu que 60% da dívida eram falsos. Não havia documentos que os comprovassem. É isso que nós temos que fazer, e provavelmente descobriremos que boa parte da dívida que pagamos hoje também não tem documentos que a comprove, porque foram feitos durante a ditadura militar“.
Com a palavra, Maria Lucia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, numa entrevista do ano passado: “Que dívida é essa que não pára de crescer e que leva quase a metade do Orçamento? Qual é a contrapartida dessa dívida? Onde é aplicado esse dinheiro?“.
O Brasil também quer saber, dona Dilma.