Pedro Simon *
O Congresso Nacional realizou uma sessão envergonhada na manhã de 12 de dezembro passado, uma reunião quase sigilosa, virtualmente secreta, sem direito sequer às imagens da TV Senado. Integrado por 594 representantes, o Parlamento brasileiro estava ali com apenas três senadores e um deputado em plenário, além de dois convidados na Mesa. Parecia uma homenagem a um subversivo em plena ditadura militar, mas era o reconhecimento, 100 anos após o seu nascimento, a um dos grandes democratas de nossa história: Francisco Clementino de San Tiago Dantas, chanceler do fugaz gabinete parlamentarista de Tancredo Neves no Governo João Goulart.
À beira de seu túmulo, morto cinco meses após o golpe de 1964 que derrotou a ele e a todos nós, o economista Roberto Campos, um dos cérebros do novo regime, reconheceu: “San Tiago Dantas é a figura mais extraordinária, mais genial de toda a nossa geração”. Foi o “Homem de Visão de 1963” em tempos aguçados pelos visionários de todas as tendências. San Tiago marcou época e posição, como chanceler, implantando o conceito da Política Externa Independente numa era que dividia o mundo entre o lado de lá e o lado de cá, União Soviética ou Estados Unidos. San Tiago era a síntese de suas contradições: advogado de grandes empresas, defendia a justiça social como membro do PTB de centro-esquerda; não-marxista, reatou relações de Brasília com o regime de Moscou; admirador do sistema político dos Estados Unidos, defendeu o direito de Cuba à autodeterminação e votou contra sua expulsão da OEA em 1961.
Neste mesmo Congresso, ainda jovem, eu testemunhei em 1962 uma das cenas mais memoráveis: San Tiago aplaudido de pé, durante vários minutos, após apresentar o seu plano de governo para o gabinete que sucederia Tancredo Neves. Era uma peça fantástica, no plano político e econômico. E vi também, nesse dia, um dos fenômenos mais constrangedores da história dessa Casa: aclamado de pé, ovacionado, o orador não foi aprovado como novo chefe do governo parlamentarista.
Meses depois, cessada a experiência parlamentar, João Goulart retomou seus plenos poderes com um ministério que emocionava pela biografia de seus integrantes. Alguns nomes dessa constelação: Darcy Ribeiro, Eliezer Batista, Evandro Lins e Silva, Hélio Bicudo, Hermes Lima, João Mangabeira, José Ermírio de Moraes, Miguel Calmon, Ulysses Guimarães, Walter Moreira Salles, Waldir Pires, Anísio Teixeira, Paulo Freire, além do próprio San Tiago.
Pois veio o golpe, derrubaram e cassaram João Goulart — com o apoio da Igreja e com os editoriais da grande imprensa, que fantasiava e caluniava o governo deposto. Apesar disso tudo, nenhum daqueles nomes apareceu envolvido em malfeitos ou desvios do dinheiro público. Nenhum ministro foi cassado por corrupção — e foram cassados muitos, perseguidos tantos, humilhados todos. Nenhum deles teve uma vírgula de contestação à dignidade, à honorabilidade de biografias que orgulhavam a República e a Nação.
Essa é uma observação importante para a presidenta Dilma Rousseff no momento em que completa seu primeiro e exitoso ano de governo, já pensando na saudável reformulação de seu ministério para 2012. Cada vez mais segura e determinada em sua missão, com a cara limpa de seu estilo de governo, sem as heranças e compromissos políticos que restringiram o seu início de mandato, a presidenta Dilma poderá, enfim, imprimir a marca pessoal que o Brasil aprendeu a admirar, expressa na aprovação recorde de 72% da população, superando o primeiro ano do governo de seus antecessores, FHC e Lula.
Presidenta Dilma: siga o caminho de San Tiago. Faça a sua escolha, exclusivamente sua, tendo como regra os padrões de independência, seriedade, competência e integridade que resumem a biografia deste grande, digno, correto, decente, coerente brasileiro. Trilhando o caminho de San Tiago, presidenta Dilma, a senhora poderá dar ao seu governo e ao país o ministério que os brasileiros esperam e merecem.
Um feliz 2012 para a senhora e para o Brasil.
* Pedro Simon (PMDB-RS) é senador da República.
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