O episódio da queda de Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes deixa definitivamente uma pergunta chata no ar. Uma inevitável provocação à presidenta Dilma Rousseff: ela acha que seu antecessor, Lula, era mais tolerante do que ela com a corrupção?
Durante todo o dia de ontem, repórteres e comentaristas políticos repetiam que Dilma, diante das informações sobre as irregularidades do Ministério do Transportes, aproveitaria para colocar um ministro mais técnico e tirar o ministro político. Que era isso o que ela queria fazer desde o início, que era a sua intenção durante o período de transição. Mas que acabou vencida, herdando o ministro de Lula, o senador amazonense de quem ela já não gostava e desconfiava.
Por que ela já não gostava e desconfiava? Porque as denúncias de irregularidades no Ministério dos Transportes percorrem o tempo de Alfredo Nascimento durante o governo Lula. E mesmo antes, quando o PR ainda se chamava PL, e antes mesmo, quando era, no governo Fernando Henrique Cardoso, o PMDB que tomava conta da pasta, o Ministério dos Transportes tem sido uma fonte inesgotável de denúncias.
No governo FH, houve o escândalo dos precatórios do extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). O que foi feito dele? Quem foi punido? Quanto a Alfredo Nascimento, sua primeira passagem pelo Ministério dos Transportes em 2003 já foi marcada por problemas. A Operação Tapa Buracos, do ministério, foi alvo de uma imensa fiscalização dos auditores do Tribunal de Contas da União, que identificaram uma série de problemas. Nascimento deixou o ministério para disputar e ganhar a eleição para senador. Na volta, novos problemas. Uma das peças publicadas ontem pela imprensa, pela revista IstoÉ, foi um vídeo que já havia sido publicado em 2009 pelo jornal Correio Braziliense.
Que atenção Lula deu às auditorias do TCU que identificaram diversos casos de superfaturamento, irregularidades em contratação, etc, em 2003? Aparentemente, nenhuma, ou pequena, já que ele reconduziu Alfredo Nascimento. Que atenção Lula deu ao vídeo publicado pelo Correio em 2009? Que atenção foi dada agora? Quem acompanha a TV Senado deve ter visto que o senador Mário Couto (PSDB-PA) vem subindo praticamente todos os dias à tribuna para denunciar o diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antônio Pagot desde o início do ano. Quem prestou atenção no que Mário Couto dizia? Ao que parece, Dilma deu mais atenção a essas coisas do que dava seu antecessor.
Não é exatamente que Dilma dá mais crédito ao que lê nos jornais e revistas do que dava Lula. As informações que chegam do Palácio do Planalto é que ela, de posse das ferramentas de gestão que possui, confere como andam as coisas. A reunião com os diretores do ministério descrita na última edição da revista Veja é cem por cento confirmada por fontes do Palácio do Planalto. Dilma deu mesmo um sabão dos mais duros na turma. Porque, com os conhecimentos de gestora que ela tem, ela percebeu que as obras tinham aditivos e outros penduricalhos inadmissíveis. E que aumentavam claramente os preços e os prazos, gerando situações concretas de superfaturamento. Dilma não avançou até onde a revista Veja foi: para a existência de um esquema de pagamento e distribuição de propina no PR a partir das obras. Mas deixou claro nas entrelinhas o que esses superfaturamentos deviam significar.
No primeiro momento, Alfredo Nascimento tirou o corpo fora. Disse a Dilma que não tinha ingerência sobre as áreas com problemas, o Dnit e a Valec, que opera ferrovias. Dilma lhe deu o crédito inicialmente, permitindo a ele que conduzisse o processo de apuração que ela exigiu. Na verdade, ela colocou Nascimento na frigideira. Seria um insulto à inteligência da presidenta achar que ela acreditou nessa história contada por Nascimento. O homem está há sete anos no ministério e não tem controle sobre as principais áreas da pasta? As áreas são comandadas pelo PR, ele é o presidente do PR e não tem controle sobre as áreas? Difícil aceitar que Dilma tenha acreditado nisso.
Fritura rápida, Nascimento deixa o ministério. É até possível que seja verdade que sua demissão tenha ocorrido porque o nível de tolerância de Dilma com a corrupção é menor do que era o de Lula. Mas a forma como ela vem conduzindo isso até agora lhe traz mais problemas que soluções.
O primeiro problema é essa comparação com a era Lula. Será que Dilma a deseja? Será que o PT a deseja? Lula tem planos claros de retornar ao poder mais tarde. Vai querer que Dilma empane esses planos?
O segundo problema é a relação com os aliados. O acerto político que levou à aliança para eleger Dilma tinha como componente uma mudança nos esquemas de utilização das ferramentas de poder por parte dos partidos? No provável caso de Dilma estar agindo de uma forma diversa da que combinou com os aliados, isso vai provocar reação. Agora, se eles aceitam um novo formato se é isso mesmo que Dilma está propondo -, então não é melhor fazer logo uma reforma ministerial e mudar todo o perfil do Ministério, tirando os políticos?
Porque aí, vem o terceiro problema: o governo só tem seis meses, e dois ministros, Antonio Palocci e Alfredo Nascimento, já caíram por denúncias de corrupção. O Ministério de Dilma vai ficar sangrando assim por quatro anos?
E decorre daí mesmo o quarto problema: aparentemente, Dilma não tem força suficiente para decidir sobre sua equipe sem levar em conta a parceria política com os demais partidos. Tanto que será o mesmo PR, comandado pelo mesmo Alfredo Nascimento, que indicará o novo ministro. Se for Nascimento, junto com Valdemar Costa Neto, quem vai escolher o novo ministro, de fato mudará o quê no Ministério dos Transportes?