Alexandre Uehara*
As cenas cruéis e de violência associadas à morte do ditador líbio Muamar Khadafi, exibidas pelos revolucionários na mídia de todo o mundo, deve ter chocado a muitos, mas podem ter sido a sinalização das dificuldades que os novos detentores do poder no país deverão encontrar para a instalação de um Estado de Direito alinhado aos pressupostos da democracia ocidental. Com certeza, a comunidade internacional teria se sentido mais confortável caso o Conselho Nacional de Transição, consumada a tomada de poder, se pautasse pela adoção dos preceitos do Direito Internacional Humanitário (DIH). No entanto, alguns fatores, como a falta de maior organização e liderança entre os combatentes revolucionários e o envolvimento da população nos conflitos, conduziram a ações que não necessariamente correspondem às expectativas dos valores democráticos.
O DIH, ramificação do Direito Internacional Público, é aplicável em conflitos armados, objetivando assegurar o respeito ao ser humano e mitigar os sofrimentos provocados pela guerra. É dividido em duas categorias: as Convenções de Haia, referentes à regulamentação dos métodos e meios de combate, e as Convenções de Genebra, referentes à proteção das pessoas, inclusive soldados, fora das situações de batalhas, como os feridos, os doentes e os prisioneiros de guerra.
O coronel Khadafi foi ferido e morto, como mostram as imagens, quando se enquadrava tecnicamente na condição de prisioneiro de guerra, após o comboio em que estava ter sido atacado por forças da Otan e ser capturado vivo. Portanto, teria sido um exemplo abonador às forças revolucionárias se tivesse sido preso e levado a julgamento, numa corte internacional ou na própria Líbia, após a instituição do novo governo e do reordenamento jurídico nacional.
As fortes imagens do fim do ditador Khadafi divulgadas ao mundo, somadas às exageradas repressões aos protestos no Egito pela invasão e atentados contra igrejas, suscitam reflexão sobre os próximos episódios da chamada Primavera Árabe. Que tipo de regimes substituirão as ditaduras depostas pela luta armada? A revolução pode ser considerada como um direito extremo de sociedades vítimas de insolúvel e intransigente violência do Estado, desrespeito aos direitos humanos, tortura, execuções sumárias e desprezo à Justiça. Porém, perdem a legitimidade se resultarem em regime semelhante ao do governo deposto.
Em síntese, somente é filosófica e politicamente aceitável a tese da organização bélica da sociedade como última instância, após se esgotarem todas as possibilidades de negociação, para viabilizar o fim de uma ditadura renitente e o florescimento de uma democracia. Utilizar o ideal de liberdade e a vida de civis, em especial dos jovens, para derrubar um tirano e o substituir por outro é absolutamente ilegítimo.
A experiência da primeira eleição da primavera árabe na Tunísia no último dia 23 de outubro abre expectativas do que poderá vir a ser a implementação de democracias no Egito e na Líbia. No entanto, a demora na instauração da aguardada democracia no Egito, associada à intolerância religiosa e política, e o desrespeito inicial ao Direito Internacional Humanitário na Líbia devem deixar a comunidade internacional atenta. Afinal, não basta às instituições como a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) contribuírem para a derrubada das ditaduras Há, ainda, todo um processo de reestruturação, que é complexo, mas que a comunidade internacional, não se esquecendo das especificidades culturais e políticas de cada país, deve procurar apoiar.
*Alexandre Uehara é especialista em Oriente e coordenador do Curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco