O Brasil passou por um processo acelerado de urbanização na segunda metade do século XX sem paralelo com outro país. Em cinquenta anos, invertemos nossa pirâmide demográfica espacial. A alteração que aqui se efetivou em meio século, na França demorou duzentos anos (de meados do século XVIII em diante) e nos EUA, cem anos (de meados do séc. XIX a meados do seguinte), ou seja, o dobro do tempo.
De 1950 até o ano 2000, invertemos a proporção de residentes do campo e das cidades. Em 1950, o Brasil possuía 64% da população na zona rural e 36% nas cidades. Já em 2000, esses percentuais pularam para respectivamente 19% e 81%.
Esta modificação espacial foi resultado de dois movimentos que se somaram: uma acelerada expansão demográfica e um grande movimento migratório. Em 1950, a população total brasileira era de 51,9 milhões; em 2000, já ultrapassava os 169,8 milhões. Este crescimento, em cinco décadas, de 117,9 milhões de pessoas (taxa anual média de expansão de 2,45% ao ano) se deu com mudanças muito fortes nas densidades populacionais em diferentes espaços nacionais. Os movimentos migratórios derivaram do modelo de crescimento econômico profundamente concentrador de renda e riqueza, tanto em termos de regiões quanto de grupos familiares.
A urbanização intensa se efetivou com a formação de uma rede desordenada de cidades e com uma integração capenga em três âmbitos: nas micro, meso e grandes regiões nacionais. Conclusão: nosso país passou a ter metrópoles deformadas, plenas de ocupações irregulares e conformadas em tornos das capitais, com constelações de municípios satélites dependentes dos serviços do centro. Mas pior: não houve uma ação governamental destinada a promover uma aproximação entre esses pólos dinâmicos. O modelo de transporte priorizado foi o rodoviário, o qual foi sendo implantado aos trancos e barrancos, sempre subordinado à disponibilidade orçamentária do poder central, com exceção do ocorrido no estado de São Paulo, o qual teve condições de não depender dos investimentos federais e, assim, passou a ter uma integração distinta daquela predominante no Brasil.
A atuação política, desde o primeiro momento de nossa República, deu baixa prioridade para organizar nossas cidades, e essa situação se estendeu até muito recentemente, com mais ou menos intensidade. Uma comprovação desta realidade está no longo tempo de tramitação da Lei 10257 (Estatuto das Cidades) até ser aprovada em 2001. E, mesmo assim, depois que tal estatuto passou a vigorar, os avanços concretos ficaram muito aquém das necessidades, por diversas razões, com destaque para as deficiências econômico-financeiras de nossos municípios e escasso apoio dos governos estaduais.
Nestes termos, a qualidade do bem-estar das populações foi forte e diretamente afetada. As deficiências dos meios de transporte urbano, suburbano e interregionais são flagrantes. O pior é que o sofrimento das famílias com as deficiências de moradia, travas para a mobilidade urbana, falta de saneamento e de tratamento de resíduos e a desordenada organização de nossas cidades passou a ser visto com naturalidade, como se fosse uma condição inexorável e não houvesse o que fazer. É interessante notar que os sintomas dessa perversa realidade afloraram com mais intensidade nos últimos anos quando, felizmente, passou-se a ter um crescimento econômico com distribuição de renda, embora ainda estejamos longe de padrões satisfatórios.
Agora, depois que o desastre urbano já se realizou, enfrentar as enormes carências de nossas cidades custa muito mais e a exigência de investimentos públicos é brutal, muito além do que suporta as contas públicas.
O avanço principal no trato das políticas urbanas é recente. Apenas em 2003, com o inicio do primeiro governo Lula, foi que se criou o Ministério das Cidades para juntar e executar as políticas públicas urbanas. Foi exatamente neste contexto que, após mais de duas décadas, sem uma política habitacional, o Brasil passou a ter um programa para enfrentar o incômodo déficit habitacional de mais de 7 milhões de moradias com a aprovação da Lei 11977/09 (Minha Casa Minha Vida).
Nestes termos, é de suma importância que as boas práticas de gestão urbana lideradas por um crescente número de administrações públicas, entidades não-governamentais e associações de moradores continuem a ser disseminadas e ganhem maior relevância nas agendas públicas, privadas e do terceiro setor.
Os problemas e as soluções para este país cada vez mais urbano passam por uma tomada de consciência de todos os atores sociais para a importância que a questão tem. É como diz, premonitoriamente, a letra de um velho jingle de Lula: “Uma cidade parece pequena, se comparada com um país; mas é nas cidades, por menor que sejam, que se vive e se é feliz”.