A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233/08, que institui a reforma tributária, é de baixa qualidade técnica. Entre as insuficiências, há duas claras demonstrações de que se desdenhou da importância do Legislativo, como fonte de legalidade e legitimidade da tributação, e do papel específico do Senado, na Federação e na avaliação do sistema tributário nacional.
Historicamente, o Estado de Direito tem suas raízes na Magna Carta da Inglaterra, de 1215. Foi lá que se iniciou a sujeição do Estado às regras que ele edita. E isso ocorreu justamente na instituição do tributo.
Nessa proposta de reforma tributária, valorizou-se em excesso o papel do Conselho de Política Fazendária (Confaz), órgão composto pelos secretários de Fazenda ou de Finanças dos estados e do Distrito Federal, na produção de normas em matéria do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Na prática, isso significa uma hipertrofia burocrática e o apequenamento do Poder Legislativo.
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A fragilidade extrema na tramitação da proposta governamental revela-se no desprezo ao Senado que ela encerra. Cutucou-se o Senado com vara curta. Afinal, foi ele que enterrou a pretensão do governo de arrecadar neste ano cerca de R$ 40 bilhões, ao decretar a morte da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) em dezembro de 2007. O Senado, ao contrário da Câmara, não tem sido vaquinha de presépio às propostas do Executivo.
Além disso, o Senado tem função constitucional explícita em matéria tributária. Diz o art. 52, inciso XV, da Constituição Federal: “Compete privativamente ao Senado avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional em sua estrutura e seus componentes e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios”.
O Senado, nas várias Constituições promulgadas após a ditadura militar, sempre teve função importante na determinação das alíquotas do antigo ICM, hoje ICMS. Fixava as alíquotas máximas, atualmente fixa as alíquotas mínimas. A PEC em apreciação dá-lhe papel institucional ridículo.
Vale dizer que o Senado estabelecerá as alíquotas e fixará os seus percentuais. No entanto, segundo a proposta de reforma tributária, o órgão que define as mercadorias e serviços a que essas alíquotas se aplicam é o Confaz. E o Senado poderá apenas aprovar ou rejeitar esses enquadramentos. Não pode alterá-los. Função decorativa, para compor paisagem, colocada explicitamente na PEC 233/08.
A indigência da proposta do governo levou o Senado, com base no referido art. 52, XV da Constituição, a instituir uma subcomissão temporária da reforma tributária, que inclusive já produziu relatório preliminar, de autoria do senador Francisco Dornelles (PP-RJ). A análise é densa e correta, e as soluções são abertas ao diálogo. Obra de mestre. E dá antecipadamente conhecimento das dificuldades para a aprovação dessa PEC, para tranqüilidade dos bolsos dos cidadãos-contribuintes e dos caixas das empresas. É esperar para ver.
* Advogado, professor de direito na Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.
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