Cláudio dell’Orto*
Os milhões de conflitos que o povo brasileiro submete à solução do Judiciário revelam a confiança depositada nesse poder. Este, portanto, não pode esquivar-se de realizar uma análise macroscópica desse imenso volume de casos, para encontrar soluções coletivas dotadas de efeito resolutivo de maior amplitude. Entretanto, por uma questão cultural, observam-se omissão de instituições legitimadas para as ações coletivas e manuseio abusivo de ações individuais como alimento para uma engenharia jurídica capaz de construir demandas artificiais ou fraudulentas.
Constata-se, ainda, excesso de produção legislativa, que produz permanente dúvida sobre os regramentos aplicáveis em determinadas situações. Alie-se a isso uma inexplicável resistência dos próprios órgãos estatais no cumprimento de elementares garantias constitucionais e o raciocínio antiético de ponderação de lucros que podem advir da sobrecarga processual do Judiciário. Ou seja, a conclusão de que vale a pena descumprir a lei, porque a Justiça pode não falhar, mas às vezes tarda, e nesse intervalo de tempo tudo muda.
O cenário indica a necessidade de planejamento estratégico na gestão do Judiciário, de modo que possa contribuir de modo mais amplo para a pacificação dos conflitos sociais, por meio de soluções integradoras e restauradoras. Tal tarefa, porém, não pode ficar restrita a um pesado investimento para substituir estantes de aço por arquivos eletrônicos. Evidentemente, é prioritário solucionar questões relativas ao funcionamento da superestrutura construída ao longo dos anos para a realização das tarefas do Estado-Juiz. A estabilidade do Poder Judiciário, derivada da vitaliciedade de seus membros, permite um planejamento estratégico com maiores probabilidades de êxito. Temos de arregaçar as mangas e colocar em prática o Judiciário que o povo brasileiro quer.
Os pilares de um sistema judicial comprometido com os compromissos firmados no texto constitucional são forjados na ética e na democracia. O processo de democratização interna dos tribunais deve ser compreendido a partir do processo histórico que separou o primeiro grau do segundo grau de jurisdição, como se os magistrados não fossem membros do mesmo Poder Judiciário e, portanto, do tribunal ao qual se submetem administrativamente e que integram primeiro como juízes e depois, por simples ascensão funcional, como desembargadores. Não existe uma estrutura administrativa autônoma que atenda exclusivamente os juízes. Logo, primeiro e segundo grau (tribunais e juízes estaduais) são divisões jurisdicionais de um mesmo tribunal, formado por desembargadores e juízes. A autonomia administrativa assegurada pela norma que deriva do artigo 96, I da Constituição de 1988 sustenta a possibilidade de o Tribunal Pleno regular o seu próprio processo eleitoral, respeitadas outras normas jurídicas sobre o tema, e de estender a todos os juízes o direito de participação.
Outra alteração compatível com os princípios que regem a administração pública e que estão elencados no artigo 37 da Carta, em especial o da impessoalidade, seria a necessária uniformização de um programa de gestão para a administração do tribunal. Seriam evitadas divergências políticas entre integrantes da mesma administração que poderiam comprometer o bom desenvolvimento dos trabalhos. Uma sugestão para solucionar esse conflito é a formação de chapas cujos integrantes compartilhem a mesma percepção administrativo-institucional.
As associações de magistrados têm papel relevante nesse processo de planejamento. Apesar de não integrarem a estrutura judicial, são representativas dos anseios dos juízes, desembargadores e ministros, que desejam que suas decisões sejam efetivas e transformadoras da sociedade, para que se cumpram os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de construção de uma sociedade livre, justa e solidária; de garantia do desenvolvimento nacional; de erradicação da pobreza e da marginalização com redução das desigualdades sociais e regionais e promoção do bem de todos, sem preconceitos e discriminação de qualquer natureza.
*Presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj)