Numa das últimas operações de busca a apreensão da Operação Caixa de Pandora, foram encontrados recibos de doações de empresas diretamente envolvidas com o mensalão do governador afastado José Roberto Arruda à direção nacional do DEM.
Se até então não havia ainda uma peça que vinculasse explicitamente a lambança propinodútica de Arruda ao seu antigo partido, a peça apareceu agora. Esse pequeno indício pode até não evoluir. Mas já não há muito o que se discutir acerca de um fato: a tragicomédia protagonizada por Arruda em Brasília é uma pá de cal nas pretensões do DEM, um partido que definha sem conseguir deixar de ser mero apêndice do jogo político nacional.
Desde o seu início, só se reservou ao DEM um papel de coadjuvante na cena política. Na formação da Frente Liberal, em 1984, um coadjuvante fundamental. Não tivesse havido a dissidência no PDS que criou o PFL, Tancredo Neves não conseguiria obter maioria no Colégio Eleitoral e não teria conseguido derrotar por dentro a ditadura militar.
Mas o fato é que o PFL, após a redemocratização, era meio que uma legião de derrotados que se renderam. A tragédia de Tancredo foi uma sorte para eles. Colocou na presidência um peemedebista por conveniência, pefelista de coração. Num livro escrito no aniversário de dez anos do PFL, José Sarney relata claramente que sua intenção inicial era ter se filiado ao PFL, o que seria um destino natural. Ex-presidente do PDS, ele era o rei dos dissidentes, o chefe dos derrotados que se renderam. Mas a regra do Colégio Eleitoral exigia que os candidatos a presidente e vice fossem do mesmo partido. Sarney, assim, filiou-se ao PMDB. Mas, na ocasião, colocou os filhos e os principais aliados maranhenses no PFL. No poder, deu uma força aos pefelistas que eles não teriam no governo Tancredo. Mas passou todo o seu governo sabendo que tanto ele quanto seu partido do coração eram mais fracos que Ulysses Guimarães e o PMDB.
Com Fernando Collor, todo o mundo político virou apêndice. Ele era só, sem partido. As adesões eram unitárias. Aliados ao governo, estavam lá Antonio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen e outros caciques. Mas na ponta de lança das investigações que levaram ao impeachment estavam pefelistas como Benito Gama. O PFL, no entanto, não era protagonista nem das estratégias frustradas de Collor para se manter no poder nem das articulações para apeá-lo. Uma única exceção, no caso, foi a então deputada Roseana Sarney, aliada importante da articulação do impeachment.
Na grande coalizão que manteve Itamar Franco no poder, os pefelistas eram menores que os tucanos e os peemedebistas. E alguns, especialmente Antonio Carlos Magalhães, eram alvo do desprezo e do ódio do presidente que fez o Plano Real e acabou com a hiperinflação.
O PFL só teve destaque de fato na vida política no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. O ideário liberal, da política de privatizações, tinha muito mais a ver com o que eles pensavam do que com a cartilha do PSDB. Os pefelistas reinaram. No segundo governo FHC, porém, começaram a perder o protagonismo para o PMDB. É o início da lógica política atual, em que a linha auxiliar de qualquer governo tornou-se necessariamente o PMDB.
É nesse momento que o PFL poderia ter dado uma virada que marcaria positivamente a política brasileira. O partido esboça um plano para o futuro, o PFL 2000. Se tivesse seguido o plano à risca, se apresentaria à sociedade como um partido moderno de direita, de perfil conservador. Poderia ter contribuído para livrar a política brasileira dessa salada onde todo mundo se põe ao centro e cria um ambiente impossível para transformar a eleição numa discussão ideológica de fato. Se houvesse um partido que se apresentasse realmente como conservador, ele talvez levasse à formação de contrapontos com perfil e discurso de esquerda. Com nossos pensamentos representados, talvez passássemos a votar em partidos, não em pessoas.
Mas o PFL teve medo dessa escolha. Se antes era “Frente”, ao menos era “Liberal”, o que acrescentava ao nome um componente ideológico, de teor econômico. Ao virar “Democratas”, o PFL virou uma sigla que não significa nada. Com exceção de extremos absolutamente marginais e quase ridículos (uns stalinistas malucos de um lado e Jair Bolsonaro e os generais de pijama do outro), todo mundo é democrata, da Heloisa Helena ao Ronaldo Caiado.
Sem significado claro, o partido perdeu-se também como expectativa de poder. Fazendo no começo da Nova República o mesmo jogo que faz hoje o PMDB, de sair da disputa central para, como aliado preferencial, lucrar nas disputas regionais, o PFL colaborou para criar essa atual dicotomia PT x PSDB. Perdendo espaço para o PMDB, ficou sem sentido no jogo principal e foi definhando.
Assim, saiu das últimas eleições apenas com um governador eleito, José Roberto Arruda. Ele se torna a única chance dos pefelistas de se apresentarem ao eleitorado como algo diferente. Se a sigla escolhida para o novo partido não significava nada, Arruda poderia ser o símbolo de fato de uma direita moderna, que governa com visão empresarial e eficiente. Em vez disso, porém, Arruda é hoje símbolo da corrupção mais sórdida, encarcerado na Polícia Federal, e Brasília parece um formigueiro em que pisaram em cima: as inúmeras obras superfaturadas paradas, com os operários como formigas atarantadas congestionando o trânsito e atrapalhando a vida do cidadão.
A opção que parece ter restado ao velho pefelê para jurar à sociedade que nada tem a ver com essa história protagonizada por Arruda é se livrar completamente dele. Já o tiraram do partido, planejam agora expulsar Paulo Octávio, mandaram todos os pefelistas entregarem as suas secretarias. Assim, porém, o PFL fica sem a única vitrine que tinha, reduzido à meia dúzia de oposicionistas no Congresso. Os anéis já se foram. E começam a ir também alguns dedos. Eterno apêndice, poderá restar ao DEM passar à história como a viúva Porcina do nosso espectro partidário: será o partido que foi sem nunca ter sido.