O substitutivo ao PL 6787/2016, sobre a reforma trabalhista, representa a mais profunda e abrangente agressão ao Direito do Trabalho, atacando simultaneamente as três fontes de Direito: a lei, a Justiça do Trabalho e a negociação coletiva.
O texto do relator vai muito além do projeto original, acrescentando vários outros pontos, como: 1) a flexibilização de direitos trabalhistas previstos legalmente, resguardados, apenas, os que estão previstos expressamente na Constituição; 2) a ampliação das possibilidades de terceirização nas relações de trabalho e pejotização; 3) a limitação do acesso à Justiça do Trabalho; 4) a restrição do poder judicante da Justiça do Trabalho; 5) a retirada de atribuições e prerrogativas das entidades sindicais, e 6) a autorização de negociação direta entre patrões e empregados para redução ou supressão de direitos.
O projeto original prevê a prevalência do negociado sobre o legislado, institui a representação dos trabalhadores no local de trabalho e sua forma de eleição, amplia as formas e prazos do trabalho temporário, trata do tempo parcial de trabalho, dispõe sobre o pedido de demissão e institui regras de combate à informalidade.
O substitutivo, por sua vez, piora, na perspectiva dos trabalhadores, o texto original do projeto e acrescenta pelo menos 100 novos dispositivos, todos eles em desfavor do trabalhador, que é a parte mais fraca econômica, social e politicamente na relação com o empregador.
A melhor síntese do texto do relator foi elaborada pelo escritório de Advocacia LBS, do advogado e membro do corpo técnico do Diap, José Eymard Loguercio, que aponta, de “A” a “Z”, as inovações do substitutivo em relação ao projeto original. Vejamos:
(a) fortalecimento dos acordos individuais em detrimento da lei e de acordos e convenções coletivas;
(b) estímulo aos contratos precários: amplia o contrato a tempo parcial; flexibiliza regras do trabalho temporário; retira a obrigação ainda que subsidiária dos contratos de terceirização; cria o contrato intermitente; regulamenta o teletrabalho por meio de “tarefas”, sem correspondência com a “duração do trabalho”;
(c) altera regras processuais de prescrição com menor tempo e na vigência do contrato;
(d) afasta da Justiça do Trabalho possibilidade de anular acordos e convenções coletivas contrárias à lei;
(e) dificulta e encarece o acesso à Justiça do Trabalho;
(f) afasta os sindicatos da assistência nas demissões e no pagamento de verbas rescisórias;
(g) cria uma representação de trabalhadores com maior possibilidade de sofrer interferência do empregador, pela ausência de vínculo sindical, e com poderes para “conciliar” e quitar direitos trabalhistas;
(h) cria regras processuais para limitar a jurisdição trabalhista (restringindo a atuação da Justiça do Trabalho nos processos individuais);
(i) retira o conceito de “demissão coletiva” para afastar a obrigatoriedade de negociação prévia nestes casos;
(j) flexibiliza a jornada de trabalho de modo a permitir que o empregado trabalhe 12 horas ininterruptas, sem intervalos, por 36 horas de descanso (jornada de 12 x 36), mediante mero acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo, e sem intervalos;
(k) acaba com o pagamento da chamada “hora de percurso” (horas in itinere), ou seja, o tempo dispendido pelo empregado para chegar ao emprego, no caso de local de difícil acesso, ou não servido por transporte público, em condução fornecida pelo empregador não será mais computado na jornada de trabalho;
(l) altera o conceito de grupo econômico, dificultando o recebimento de créditos trabalhistas;
(m) altera o conceito de “tempo à disposição do empregador”, facilitando trabalho sem pagamento de horas extras;
(n) restringe as hipóteses e fixa limites para as indenizações por danos morais e patrimoniais;
(o) permite que acordos coletivos, mesmo quando inferiores, prevaleçam sobre convenções coletivas;
(p) permite que a negociação coletiva retire direitos e prevaleça sobre a lei;
(q) lista exaustivamente os casos em que os acordos não podem reduzir ou retirar direitos, dando margem para a interpretação de que se tratando de uma “exceção”, tudo o mais poderá ser retirado ou reduzido;
(r) dificulta as execuções trabalhistas na sucessão de empresa ou nos casos de desconsideração da personalidade jurídica do empregador (tema clássico do Direito do Trabalho);
(s) amplia expressamente a terceirização para a atividade-fim (principal) da empresa e exclui a responsabilidade subsidiária da contratante na cadeia produtiva;
(t) transforma todas as contribuições de custeio ou financiamento sindical em facultativas, exigindo prévia autorização individual para a sua cobrança e desconto;
(u) desconstrói um conjunto de súmulas trabalhistas relacionadas a proteção ao salário, jornada de trabalho, tempo à disposição, integração de parcelas para empregados com mais de 10 anos, comissões e prêmios;
(v) altera o conceito e dificulta a aplicação dos casos de equiparação salarial (trabalho igual, salário igual);
(w) cria a figura da extinção do contrato de trabalho “por acordo”, diminuindo o valor do aviso prévio indenizado e a multa de 40% sobre o saldo do FGTS pela metade. O trabalhador nesse caso poderá sacar 80% do saldo do FGTS e não fará jus ao seguro-desemprego;
(x) admite a cláusula de arbitragem (com afastamento da Justiça) nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração exceda 2 vezes o teto da Previdência (remuneração acima de R$11.100,00);
(y) veda a ultratividade de acordos e convenções coletivas;
(z) e inúmeras outras alterações com revogação expressa de diversos dispositivos da CLT.
Além disso, o substitutivo permite, sem a exigência de “excepcionalidade”, o parcelamento das férias em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a 14 dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um. Fica excluída da base de incidência de encargos e da contribuição previdenciária o valor pago, ainda que em caráter habitual, a título de ajuda de custo, prêmios e abonos, abrindo um espaço de burla ao direito ao cômputo dessas importâncias para fins trabalhistas e previdenciários.
Também é criada uma via alternativa à Justiça do Trabalho: nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Assim, o empregado será obrigado a negociar com o patrão, antes de recorrer à Justiça.
O ponto central da reforma, particularmente do substitutivo, é permitir que via negociação, inclusive direta entre empregado e empregador, se possa reduzir ou eliminar direito, inclusive aqueles assegurados constitucionalmente.
A prevalência do negociado sobre o legislado dá aos patrões um poder de pressão sobre os trabalhadores que atualmente não dispõem. A simples ameaça de mudar a planta de base geográfica, caso os trabalhadores não aceitem negociação que reduza direitos, será suficiente para que os empregados pressionem o sindicato a aceitar a proposta. É que o trabalhador, entre o acessório, que seria um direito, e o principal, que é o emprego, fica com este.
Se o projeto original já tinha o condão de flexibilizar os direitos trabalhistas, com o substitutivo elimina-se em grande medida a proteção ao trabalhador, na medida em que uma parte expressiva dos direitos legalmente assegurados poderá ser negociada e o acesso e a capacidade da Justiça do Trabalho de solucionar os conflitos sofrem graves restrições.
A eventual transformação em lei do texto proposto, portanto, significa que o Direito do Trabalho poderá ser completamente precarizado e a Justiça do Trabalho perderá a razão de existir, já que a lei só poderá ser aplicada caso não haja acordo ou convenção coletiva dispondo de modo diferente. Significará a destruição da legislação trabalhista brasileira, o enfraquecimento dos sindicatos e a mais profunda e perversa precarização das relações de trabalho no país.
O período de “vacacio legis” previsto é de apenas 120 dias, prazo bastante reduzido em face da complexidade e alcance das mudanças introduzidas. Em qualquer hipótese, o período entre a publicação da lei e sua produção de efeitos não poderia ser menor do que 180 dias.
Chancelar a reforma trabalhista, nos termos propostos, significa tomar posição em favor do capital em detrimento do trabalho. Trata-se do maior retrocesso nas relações de trabalho no Brasil nos últimos 50 anos, quando, no regime militar, foi extinto o direito à estabilidade no emprego, e instituído em seu lugar o FGTS.
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