Há alguns dias um amigo me mandou uma frase lapidar do Paulo Francis, morto em fevereiro de 1997. Referindo-se às perspectivas de uma época “sem horizonte ideológico”, ele comentou: “Estamos, sem dúvida, no limiar de uma nova era. Vivê-la é tolerável, mas “ser” dela me parece insuportável”. Naturalmente isto também serve para a “ausência de horizonte cultural” e respectivas posturas a respeito.
Para a ideologia pós-moderna, segundo Frederic Jameson, inteiramente dominada pela produção mundial de mercadorias e pela mercantilização, inconsciente e natureza se foram para sempre. De forma que se eu dissesse que esta época é totalmente sem imaginação e bem pouco saudável, estaria sendo rigorosamente correta, certo? Errado, porque tal afirmação seria politicamente incorreta. Donde se conclui que nossa época é essencialmente ideológica – realidade e verdade são produzidas artificialmente. A natureza e o inconsciente são desmentidos descaradamente, conforme a cotação do mercado. Mas não é bem assim, não é mesmo?
Vejam o conceito de “fama”, por exemplo, o axioma de Andy Wharhol de que “futuramente todo mundo seria famoso por quinze minutos” parece funcionar perfeitamente, às mil maravilhas, mas o fato é que seu inverso – a infâmia – pode durar o resto da vida. Porque assim é e assim foi sempre.
Porque a cultura é um processo cumulativo. Nada pode (e nada é) ser subtraído a ela, sob pena de desfigurá-la. Mas atualmente há adeptos e praticantes alegremente convictos dessa mutilação. Senão, vejamos como atuam tais práticas com alguns exemplos especialmente ilustrativos, digamos, na área literária:
(Todos os escritores abaixo citados têm mais de 50 anos)
Você mandaria o Luís Fernando Veríssimo desocupar a moita para dar lugar aos mais jovens? Você teria coragem ou a cara de pau necessária para intimar Chico Buarque a parar de escrever/compor musiquinhas/ publicar romances porque está mais do que na hora de dar lugar aos mais jovens?Hein? E para a Adélia Prado, o que você diria? Para ela pegar um rosário/ir cuidar dos netos/rezar missa, simplesmente para dar lugar aos mais jovens?
Tá certo que o sujeito é coroa, mas você mandaria o Vargas Llosa pendurar as chuteiras para dar lugar aos mais jovens? E o Lobo Antunes? E com a Lygia Fagundes Telles você faria o quê? E já que estamos na Academia, por que não acrescentar Moacyr Scliar, Nélida Pinõn e João Ubaldo Ribeiro? Gente, será que esses caras não se tocam que é a hora e a vez dos mais jovens?
Prosseguindo: E o Cristóvão Tezza? Milton Hatoun? Raduan Nassar? Ziraldo? Olha aí o supercoroa, já tava esquecendo, e Ignácio de Loyola Brandão? Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant’Anna? E o João Gilberto Nöll? Outra, mesmo que eu não goste dela, mas e a Lya Luft, você mandaria parar com suas auto-ajudas pra dar lugar a ajudinhas mais jovens? O que o editor dela pensaria DISTO, ou o do Chico, ou o do Veríssimo, ou o do Llosa?Sem contar aqueles escritores/jornalistas, e tem uma pá de gente, de José Neumane a Pedro Bial.
Se você faria tudo isso, você é certamente “um ser humano do seu tempo” (aquele que tolera o intolerável e pratica alegremente o próprio suicídio cultural), só que não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.