Antonio Vital*
Uma outra visão de Cuba foi exibida na noite de terça-feira (4), na TV Câmara, durante o programa de debates Expressão Nacional. E quem a apresentou foi um cubano, o médico Carlos Rafael Gimenez, que mora no Brasil há seis anos. Essa visão não foi positiva para o regime liderado até duas semanas atrás por Fidel Castro, com quem representantes da esquerda brasileira mantêm relações próximas ou confessam aberta admiração.
"Eu era militante de oposição, fui preso, expulso da universidade e condenado a três anos de trabalhos forçados", disse o médico. Ele trabalhou esse período no corte de cana-de-açúcar, em condições que milhares de bóias-frias brasileiros conhecem bem e não podem ser classificadas de agradáveis. Gimenez foi o porta-voz de um sentimento que ninguém pode afirmar ser majoritário entre os 11 milhões de habitantes da ilha, mas que ganha corpo e provoca expectativa depois do afastamento de Fidel da presidência.
O papel do Brasil em uma eventual transição política e econômica em Cuba divide os analistas, principalmente porque ainda não há qualquer sinal de transição. Fidel foi substituído por seu irmão Raúl Castro e os postos-chave do governo permanecem ocupados pela velha guarda dos que desceram a Sierra Maestra com o comandante e Che Guevara, 50 anos atrás.
Além de Gimenez, debateram o tema o ex-embaixador do Brasil em Havana Tilden Santiago e os deputados Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e Dr. Rosinha (PT-PR), vice-presidente do Parlamento do Mercosul. Houve um embate direto entre o médico e o ex-embaixador.
O médico afirmou que existem mais de 200 presos políticos em Cuba e que a população não tem acesso a imprensa livre e nem pode se manifestar contra o governo. Deu o exemplo do estudante que criticou publicamente a falta de liberdade política no início do ano, na Escola de Ciências de Computação, na presença do presidente da Assembléia Nacional, Ricardo Alarcón. "Depois disso, ele teve que ir à TV se retratar", disse.
Os indicadores sociais da ilha servem de argumento para quem defende Fidel e companhia. Cuba está na frente do Brasil em praticamente todos os índices relativos à educação, saúde e saneamento básico. Enquanto no Brasil morrem 31 crianças antes de completar um ano em cada grupo de mil nascidos, em Cuba esse número é de apenas seis. A diferença em relação à mortalidade materna é ainda maior. Lá morrem 33 mulheres por 100 mil partos realizados. Aqui, 260.
Os dados acima são da Unicef, a agência das Nações Unidas responsável pela educação e infância. E o contraste vai além. Cuba destina 23% de seu orçamento à saúde. O Brasil, 6%. Lá, 98% das crianças completam a 5ª série do ensino fundamental. Aqui, 84%. Reflexo também do orçamento proporcionalmente maior destinado à educação: 10% lá contra 6% aqui. Mas a educação doutrinária foi duramente criticada por Gimenez. "Na escola, a criança aprende que F é de Fidel, R é de Raúl e M é de Miliciano", disse.
O fato é que até no saneamento básico, como o acesso a serviços de esgoto ou água tratada, o Brasil perde para Cuba. Em compensação, a economia cubana é pálida comparada à do Brasil.
Tilden Santiago, ex-deputado pelo PT de Minas Gerais, ocupou durante quatro anos o posto de embaixador do Brasil em Cuba. Ele destacou os avanços sociais da revolução e a importância que o Brasil dá à ilha, visitada por Lula em janeiro.
No governo petista, o Brasil firmou diversos acordos econômicos com Cuba, como os da Petrobras com a Companhia Cubana de Petróleo (Cupet) para a construção de uma fábrica de lubrificantes, exploração e produção de petróleo. A parceria com estatais cubanas é obrigatória para quem pretende investir na ilha. Mas a ajudinha do Brasil na prospecção de petróleo na plataforma submarina de Cuba não foi adiante – e o mercado colocou a culpa na influência cada vez maior do venezuelano Hugo Chávez por lá. "Não acredito que Chávez tenha alguma coisa a ver com isso", disse Tilden.
O deputado Dr. Rosinha foi cauteloso ao analisar o futuro político e econômico de Cuba, bem como o poder de Hugo Chávez na ilha. A Venezuela tem ajudado Cuba com petróleo. "Não acho que Chávez se espelha em Fidel ou queira ser um novo Fidel. As origens dos dois são distintas. Fidel tem origem revolucionária e esse não é o caso de Chávez", disse.
O afastamento de Fidel do poder foi visto pelos debatedores como o prenúncio de que mudanças são possíveis. Pelo menos na economia. Pannunzio, que deixou na semana passada a liderança do PSDB, acredita em uma abertura, mas não que Cuba siga o modelo chinês, que combina liberdade econômica com totalitarismo político. "As culturas dos dois países são muito diferentes", disse.
O programa sobre Cuba será reprisado sexta (07), às 4h e às 11h30; sábado (08), às 12h; domingo (09), às 9h30; e segunda (10), às 6h e às 10h.
Na próxima terça-feira (11), às 22h, o Expressão Nacional vai debater ao vivo as mudanças que vem por aí na área de telefonia fixa e celular, como a produção de conteúdo pelas teles, as mudanças legais do setor e até a compra da Brasil Telecom pela Oi. Sugestões e perguntas podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
*Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional.