Cláudio Versiani*, de Nova York
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) passou por Nova York em janeiro e fevereiro. Veio dar aulas no Centro de Estudos Latino-Americanos da prestigiada Universidade de Colúmbia. Para uma platéia de 50 pessoas em média, o professor Cristovam, falando em inglês, dissertou sobre a cortina dourada (que separa os ricos dos pobres), falou de apartação, exclusão, responsabilidade social, pobreza, educação e direitos básicos das pessoas. Mas a palavra que o senador/professor mais gosta de pronunciar é mesmo utopia. Para ele, utopia não é uma concepção irrealizável ou um lugar que não existe. É a garantia de acesso aos bens e serviços essenciais, como escola, saúde, alimentação etc.
Apartação é diferente de desigualdade, disse o senador. Os EUA são um país com muita desigualdade e pouca apartação – exclusão social e econômica. A ambição de Cristovam é demolir a tal da cortina dourada.
A pobreza não é um problema só econômico e socioeconômico. Se você dividir a renda no Brasil, todos serão um pouco pobres, diz. O caminho para acabar com a pobreza é oferecer boas escolas para todos. Segundo o professor, educação é uma questão de responsabilidade social.
O senador se declara um radical quando o assunto é educação. Não é mágica, dá para fazer a utopia, garante. Cristovam imagina e apóia soluções não ortodoxas. Os países ricos deveriam pagar um imposto, ou o green royalty, para manter a Amazônia como está, por exemplo. A troca da dívida dos países pobres por investimentos na educação é a idéia central da cartilha do professor.
Cristovam vive sonhando. O professor trata de formular as teorias. O senador aposta que as soluções existem. Não importa se a migração é mundial ou local. Investir nos pobres é fundamental. Se as pessoas tiverem condições básicas de vida, não sairão de seus lugares de origem.
Mesmo com Lula, o Brasil não mudou muito. Quando o presidente discursa, ele fala um pouquinho para cada grupo, observa. “É um discurso para o hoje e não para o futuro. Lula ainda está preso ao ABC paulista e à sua mentalidade sindical. O Brasil é corporativista. A CUT e os sindicatos estão interessados na redução dos impostos, mas não se preocupam com a educação de um modo geral”, continua o professor.
Vender carro popular interessa aos trabalhadores e às grandes fábricas de automóveis. É uma estranha associação entre os trabalhadores e os homens de negócios. O Brasil tem um programa para financiamento de carro popular, mas não é capaz de ter um programa de ajuda às pessoas que não têm sapatos. “O meu apartamento foi financiado pelo governo, que só beneficia a classe média e os ricos”, segue o professor em sua aula.
Para mudar a realidade, precisamos de três gerações, afirma ele. Uma geração heróica para transformar o país. Foi o que aconteceu na passagem da ditadura para a democracia. Depois, uma outra geração que exija mudanças. Até aqui o Brasil avançou. “Mas quando vamos ter uma geração propositora?”, pergunta o senador, referindo-se à terceira geração. Idéias novas – é disso que o Brasil precisa, responde o professor.
O político Cristovam espera que o presidente Lula transforme as necessidades em demandas e os necessitados, em reivindicadores. Mas não faz muita fé, porque sabe que Lula é um político inteligente, que sabe como manter as massas quietas.
O professor não perde oportunidade para convencer quem aparece à sua frente. Na Universidade de Colúmbia, repetiu o seu mantra: educação é o caminho. Citou a Índia como exemplo de país que investe na transformação social. Para o senador, infelizmente, o Brasil ainda não descobriu o valor da educação.
O Brasil não tem líderes propositivos. “Temos políticos que escutam a opinião pública, fazem pesquisas e falam o que o povo quer ouvir. Ninguém pergunta o que se pode fazer pelo país, como disse Kennedy.” Juscelino, que o senador considera o mais internacional dos presidentes brasileiros, também é citado vez por outra, deixando transparecer uma dose de nostalgia.
O estado é ineficiente e corrupto, dispara Cristovam, parece o Tony Belloto falando. O sistema judicial é inepto. A sete meses da eleição, ainda não se conhecem as regras do jogo. Os partidos são frágeis e campeia uma grande falta de imaginação política. “Fui ministro da Educação por um ano, propus 30 leis e nenhuma foi votada pelo Congresso”, relata. Cristovam lamenta que o PT e Lula tenham perdido um grande momento histórico para transformar o país. A corrupção falou mais alto.
O senador disse não ter mais tempo de discutir o que vai ser do PT. Ele passou dez anos dentro do partido, agora está fora. Acha que Lula e FHC são políticos honestos e que o tucano está à esquerda do petista. Para Cristovam, o presidente Lula fez mais do mesmo.
O senador também tem um lado pop, gosta de Bono Vox e vê semelhanças nas bandeiras que ele e o astro pop carregam. “A diferença é que Bono prega o perdão da dívida dos países pobres, eu prefiro que o dinheiro da dívida seja empregado totalmente na educação desses países”, ressalta.
O político Cristovam vai sair candidato à presidência da República pelo PDT. Diz ele que não vai procurar eleitores. A bem da verdade, o senador prefere adeptos, cúmplices para suas idéias radicais. No segundo turno, não sabe quem vai apoiar, mas diz que nulo não votará.
Explicar o Brasil para os gringos é tarefa inglória: um país quase tão grande como os EUA, 180 milhões de habitantes, mas com apenas 60 milhões de consumidores. O resto sobrevive como pode. Ao todo, 20 milhões de analfabetos e mais 30 milhões que só reconhecem as letras. Uma das maiores economias do mundo e a pior distribuição de renda do planeta. Um governo de esquerda, e os bancos lucrando como nunca. Não é fácil entender.
Na eleição para o Senado, Cristovam amealhou no Distrito Federal 680 mil votos – ou adeptos, como ele gosta de dizer. Aqui, em Nova York, o senador angariou mais umas centenas de adeptos, a maioria de americanos. E talvez alguns votos, havia poucos brasileiros na platéia.