Márcio de Morais, especial para o Congresso em Foco
Em mais de 50% dos pontos de prostituição nas estradas brasileiras, há crianças se prostituindo. Especialmente meninas, em 53% dos casos. Mas há também meninos (27%). A intensidade da atividade de prostituição infanto-juvenil aumenta na direção Sul-Norte, superando 70% dos casos na região Norte e 60% no Nordeste. Esses números são informados pelos caminhoneiros. Trabalhadores nas rodovias brasileiras, eles foram escolhidos para um levantamento sobre o tamanho da exploração sexual de crianças no país por serem um dos públicos mais relacionados com o problema.
A pesquisa foi aplicada pela Foco, empresa de análise de opinião e mercado de Florianópolis, por encomenda da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e seus braços social (Sest) e de aprendizagem (Senat). Há quase dez anos, a instituição promove o combate ao crime nas estradas por meio do seu Programa de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes/Esca.
Dar um salto de qualidade na formulação e planejamento de metas e projetos para o programa de enfrentamento foi o objetivo da pesquisa. Paralelamente, os pesquisadores aferiram cinco instituições especializadas no tema. O conjunto de informações deu origem a dados inéditos, que poderão enriquecer a elaboração de políticas públicas , embora suas conclusões sejam, em maior ou menor grau, visíveis aos observadores da temática.
Concluído no final do ano passado, para compor o conteúdo de um livro editado esta semana pelo Sest/Senat, o relatório final da pesquisa tem 160 páginas. Foram entrevistados 50 motoristas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste; no Sudeste foram 55 e, no Sul, 56. O relatório Foco, mostra um quadro recorrente de abuso e exploração do público infanto-juvenil, facilitado pela enorme população de risco, semelhante a de um grande país europeu, a França continental.
Cerca de 80% dos caminhoneiros afirma ser comum a prostituição de adolescentes, em maior ou menor intensidade, especialmente de meninas. Segundo eles, é comum ver colegas do volante com prostitutas em 97% dos casos; dar carona para crianças e adolescentes, apesar de proibido, acontece em 53% dos casos observados. Em 44,6% das ocasiões, os caminhoneiros admitem acontecer programas com meninos e meninas.
Tal índice de respostas, que corresponde à quase metade dos entrevistados, revela o tamanho do problema da exploração sexual de menores nas estradas. A população de caminhoneiros que trafega pelas estradas do país corresponde a mais de dois milhões de pessoas. As respostas referem-se ao que esses caminhoneiros dizem ver nas estradas. Os próprios entrevistados negaram ter essas relações com menores. Os profissionais que se dispuseram a falar para a Foco são rigorosos na avaliação de adultos que mantêm relações com crianças: taxam-nos de loucos, doentes, anormais, sem caráter, dignidade, sensibilidade; desprovidos de consciência ou vergonha dos atos. Um grupo deles atribui a preferência pelo sexo infanto-juvenil à fantasia sexual, fetiche, elegia à mulher zerada, pouco rodada.
Tem corpo de mulher
Além de serem novas e bonitas, oferecem-se à prostituição, insinuam-se aos caminhoneiros e estes não resistem, reconhece o relatório. Os longos períodos longe de casa e o uso de drogas empurram ainda mais o caminhoneiro à prática sexual com crianças, dizem os caminhoneiros em algumas respostas Mas se os caminhoneiros entrevistados rejeitam o sexo com crianças, com adolescentes o comportamento já não é tão rígido. O mesmo raciocínio não se aplica a sexo com adolescentes, que possui mais anuência por parte dos caminhoneiros, observa o relatório.
Ou seja, a aparência corporal é decisiva para definir a escolha: quanto mais a garota aparentar maturidade física, maior a tolerância com a prática do abuso. Tal constatação corresponde ao depoimento de um dos voluntários ATS (Agente de Transformação Social), do Programa ESCA, da CNT/SestSenat, que, em seu diário de bordo, cita uma justificativa apresentada por um colega para a prática: É criança, mas tem corpo de mulher!.
Pobreza, miséria e drogas
Para 38,5% dos caminhoneiros, pobreza, miséria e drogas são fatores causadores da exploração sexual de crianças e adolescentes. Eles acreditam que a falta de renda para manter casa e família, a pobreza crônica, a fome, a necessidade de encontrar alguma forma de sobreviver, empurram a vítima fragilizada rumo à prostituição infanto-juvenil.
O questionamento que os entrevistados fazem é sobre a ausência do estado e do conselho tutelar: Onde estão? Que fazem para minimizar a situação? Por que não apóiam a família para que filhos não sejam induzidos à prostituição? Outro ponto observado na análise: crianças e adolescentes que usam drogas encontram na prostituição uma fonte de renda alternativa e instantânea para sustentar o vício. Neste caso, (os pesquisados) mostram menor compreensão, responsabilizando até mesmo a criança pelo uso de drogas e consequente prostituição. As meninas de dez anos sabem muito bem o que querem, garantem alguns depoimentos.
Quase 35% dos caminhoneiros acreditam que a exploração sexual tem origem na falta de estrutura familiar. Para esse grupo, o núcleo familiar está esfacelado, desestruturado psicologicamente, deixando filhos abandonados, desamparados, destituídos de educação, de limites, orientação, cuidados e amor; jogados no mundo e, consequentemente, expostos às situações a eles inerentes.
Os entrevistados também questionam a ausência dos pais e os maus exemplos de casa. Também testemunham a ocorrência de casos de pais que obrigam e oferecem os filhos à prostituição, especialmente no Norte e no Nordeste. Os maus tratos e até mesmo o abuso sexual dentro da própria casa forçam e estimulam as crianças a viverem nas ruas e à prostituição. Em alguns casos, os pais viveram, no passado, a realidade atual dos filhos.
Leia também:
De cada cinco caminhoneiros, quatro se omitem
Polícia e punição para reforçar campanhas
Indiferença e silêncio impulsionam sexo com crianças
Liberdade sexual para os homens
Veja o perfil dos entrevistados