Renata Camargo
A polêmica em torno da criação do cadastro positivo no Brasil deve continuar no Congresso. Apesar de considerarem um “avanço” a medida provisória que cria o cadastro, encaminhada ao Congresso após o veto presidencial ao projeto de lei de mesmo assunto, entidades ligadas à defesa do consumidor continuam a questionar as vantagens do país criar um cadastro de “bons pagadores”.
O projeto de lei que cria o banco de dados com informações sobre o histórico de pagamento de consumidores no país foi vetado no último dia de mandato do ex-presidente Lula, dia 31 de dezembro de 2010 (veja a íntegra do projeto). Na mesma data, o governo editou a Medida Provisória 518/2010, que disciplina a formação e consulta a banco de dados com informações de adimplemento (pagamento).
“A princípio, consideramos que a medida provisória foi um grande avanço em relação ao projeto aprovado. Mas ainda somos contra o cadastro positivo, pois estamos preocupados com aqueles que não têm a vida financeira ativa ou os que não querem ser incluídos no cadastro”, afirma a advogada Polyanna Carlos Silva, da Proteste.
Na avaliação da associação de defesa do consumidor, empresas e instituições de crédito podem “discriminar” os que estiverem fora do cadastro e, muitos bons pagadores que estão com as contas em dia, serão considerados “maus pagadores”. “Nada garante que esse cadastro positivo não será discriminatório. Aqueles que querem aderir ao cadastro ou não têm vida econômica ativa podem ser prejudicados”, defende Polyanna.
Mudanças
O projeto de lei vetado tinha apenas um artigo, onde estava prevista a “formação de cadastro positivo”. A principal crítica das entidades de defesa do consumidor era quanto à falta de regras para a formação do cadastro. Segundo a gerente jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Maria Elisa Novais, o projeto não explicitava como seriam “sistematizados e administrados” os dados dos consumidores e deixava “sem qualquer controle sobre o que é informado, a quem são informados e com qual finalidade” será formado o cadastro.
A medida provisória (veja a íntegra da MP), ao contrário do projeto, descreve as regras para a formação do cadastro, como quais informações devem constar no banco de dados, quem poderá utilizá-lo, como será dada a autorização para o consumidor ser cadastrado e quem terá controle sobre esses dados. O art. 4º da MP, por exemplo, estabelece que “a abertura de cadastro requer autorização prévia do potencial cadastrado, por meio de assinatura em instrumento específico”.
“No projeto isso estava muito vago. Vários pontos discutidos no debate de anos foram excluídos pelo Congresso”, diz Polyanna. O projeto original (PL 263/2004), de autoria do senador Rodolpho Tourinho, tramitava no Congresso há seis anos. (íntegra do projeto).
Para reduzir as margens de insegurança em relação aos direitos dos consumidores, o Executivo incluiu na medida provisória dispositivos com regras para o cancelamento do cadastro, caso o consumidor deseje ser excluído do banco de dados. A MP previu também as possibilidade de sanções e penas em caso de uso incorreto das informações do cadastro e danos materiais e morais aos cadastrados.
Outra mudança importante, do ponto de vista das entidades ligadas aos direitos dos consumidores, é a previsão no texto de que o banco de dados somente poderá ser utilizado para a realização de análise de risco de crédito do cadastrado ou para subsidiar a concessão de crédito e a realização de venda a prazo ou outras transações comerciais. Fica proibida a inclusão no cadastro de informações pessoais, como original social e étnica, orientação sexual e convicção religiosa.
“A gente espera neste momento que na votação da medida provisória não haja retrocessos no Congresso”, declarou a advogada da Proteste. “A medida provisória, na verdade, vem para legalizar a criação de um cadastro que, na prática, já vem sendo feito por bancos e lojas”. A MP 518/2010 está em tramitação em regime de urgência no plenário da Câmara e deve ser apreciada assim que o Congresso retomar suas atividades em fevereiro.
Favoráveis
Na avaliação dos que defendem a criação do cadastro positivo, esse banco de dados, ao identificar os consumidores que pagam suas contas em dia, permitirá que sejam aprimoradas as políticas de concessão de crédito no país. Na análise da Serasan Experian, é possível baixar a taxa de juros nas operações de créditos para bons pagadores.
“A prática do cadastro positivo, em sua integralidade, promove o acesso da população a crédito mais barato, afasta o risco sempre presente do superendividamento, e trabalha a favor do desenvolvimento da economia brasileira”, afirma, em artigo, o presidente da Serasan Experian e da Experian América do Sul, Ricardo Loureiro.
A intenção do governo com a criação do cadastro positivo é reduzir o spread, um dos fatores que mais influenciam na alta das taxas de juros. Atualmente, as instituições financeiras calculam os juros a serem cobrados dos clientes com base no índice de inadimplência. No entendimento de alguns economistas, se o risco de crédito for calculado a partir de um banco de dados de bons pagadores, o peso da inadimplência no cálculo do spread será reduzido substancialmente.