Marcos Magalhães |
|
Os ingleses apelidaram de couch potato aquele camarada que adora assistir à TV confortavelmente instalado na melhor poltrona da casa, sempre munido de um saco de batatas fritas e, acima de tudo, de um eficiente controle remoto. Daqueles que lhe permitem pular de um canal para outro com a agilidade que falta a suas pernas gordinhas. O batatinha da poltrona poderia ser uma tradução livre do nome desse personagem que já tem lugar garantido no folclore do humor britânico. Tão inofensivo quanto guloso, o batatinha parece guardar uma insuspeita coincidência com outro personagem, este do mundo econômico: o mercado. Ambos possuem uma enorme atração pelo controle remoto. O couch potato muda de canais na velocidade determinada pela sua ansiedade. O mercado aciona seus botões para redirecionar investimentos e aplicações por todos os países que constam de sua grade de programação. Assim como seu colega da poltrona, ele também costuma acionar o controle remoto com mais freqüência quando se sente mais ansioso. Não, porém, sem antes emitir sinais de insatisfação diante do rumo adotado por algum determinado governo. Para não despertar os dedos do mercado, o Brasil vem tentando ao longo dos últimos anos – com maior ou menor sucesso – pavimentar o caminho para receber recursos do exterior, de preferência sob a forma de investimentos no setor produtivo. Para isso, além de uma política econômica voltada à manutenção da estabilidade dos preços, o país tem procurado emitir sinais políticos de que deseja ser considerado uma opção séria para os investidores. No último governo, mudou-se a Constituição para quebrar monopólios em setores como os de telecomunicações e do petróleo e acabar com a distinção entre empresas brasileiras e estrangeiras. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva empenhou-se desde o início de seu mandato na aprovação de duas reformas perseguidas com pouco êxito – e às vezes com pouco entusiasmo – pelo seu antecessor: a tributária e a previdenciária. Foram meses de duros debates parlamentares, sempre recheados de acusações ao governo de adotar políticas que criticava no passado. Lula manteve o rumo, celebrou a aprovação das reformas e anunciou que 2004 seria o ano da retomada do crescimento. Esqueceu de combinar com o primo do couch potato. Nas primeiras semanas do ano, os mercados começaram a indicar que andavam intranqüilos. A ameaça de alta dos preços indicada pela ata do Conselho de Política Monetária (Copom) e a provável elevação dos juros pelos Estados Unidos levantaram nuvens de dúvidas sobre a sustentabilidade das promessas de crescimento no Brasil. Apontava-se ainda a necessidade de marcos regulatórios mais atrativos e de um apoio mais explícito à atual política econômica. Alguns investidores estrangeiros, disse o ex-ministro Marcílio Marques Moreira, consideravam a hipótese de deixar o país. Os dedos próximos ao controle remoto pareciam mais inquietos. Para acalmar os mercados, primeiro agiu o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, dedicando um dia inteiro a declarações de fidelidade à ortodoxia econômica. Em seguida, o presidente Lula garantiu ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o privilégio de abrir a reunião ministerial do início de fevereiro. O próprio Lula afirmou que não embarcaria em nenhuma “aventura econômica”. O mercado entendeu, a bolsa subiu, o ambiente ficou menos tenso. Mas a inquietação das primeiras semanas do ano deverá ser levada em conta na hora de se formular a agenda legislativa deste ano. Temas como a autonomia operacional do Banco Central, cuja urgência foi questionada por Lula e Palocci, poderão ressurgir entre as prioridades do governo, caso a ansiedade do mercado seja mais expressiva do que a resistência à medida por parte da esquerda petista. E certamente ganharão ênfase questões como a nova Lei das Falências, a formulação dos marcos regulatórios em setores como o de eletricidade e a parcerias público-privadas (PPPs), consideradas fundamentais pelo governo para que se tornem viáveis os grandes projetos de infra-estrutura incluídos no Plano Plurianual. Neste início de ano marcado por declarações de amor dos investidores internacionais à China e às potencialidades da economia asiática, a agenda legislativa deverá ser construída de modo a mostrar a eles que a opção Brasil continua atraente. |