O texto dessa coluna era outro, mas enquanto eu a escrevia recebi uma notícia que me fez adiar um pouco o texto anterior: o ministro Jorge Hage entregou a Dilma sua carta de demissão da Controladoria-Geral da União (CGU). O anúncio foi feito ontem (8), em Brasília, durante evento comemorativo do Dia Internacional Contra a Corrupção, data comemorada oficialmente hoje (9) de dezembro, em todo o mundo.
A notícia, apesar de não tão inesperada, trouxe um aperto, um recado e um motivo a menos para comemorar a data, além de grandes preocupações. Ouso dizer que o governo perdeu seu melhor ministro. Foram poucos os momentos que pessoalmente encontrei Jorge Hage, mas quando trabalhei na Amarribo Brasil e na Abracci tive a oportunidade de trabalhar bastante com sua equipe que sempre transmitia fortemente, através de sua atuação, a missão da organização e o direcionamento que vinha através do ministro.
Todos os contatos, trabalhos e parcerias que tive a oportunidade de desenvolver junto a CGU foram sempre extremamente bem conduzidos. Da Conferência Nacional de Transparência e Controle Social (Consocial) a 15ª Conferência Internacional Anticorrupção, dois grandes eventos que organizamos juntos, até convênios de formação cidadã para o combate à corrupção, eventos pontuais, envio de denúncias e compartilhamento de conhecimento para aumentar o nível de transparência municipal.
O órgão possui uma equipe técnica muito menor do que o necessário, porém, de altíssima qualidade e com coração e disposição para fazerem o que deve ser feito. Aprendi muito com todos os servidores da CGU que conheci nesses processos, a maioria sempre sobrecarregada, respondendo e-mails de madrugada, conciliando agendas, sem horário para ir para casa.
Porém, por mais dedicada que seja uma equipe ela também tem seu limite, e há algum tempo o ministro Hage alertava para as limitações que começavam a surgir e aos poucos foram se agravando. A CGU perdeu 727 servidores entre 2008 e 2014 por exoneração, aposentadoria, falecimento ou posse em cargo inacumulável, sendo que no mesmo período foi autorizado somente o ingresso de 425 novos servidores.
Um relatório de 2012 reforçou o problema da falta de pessoal e a reposição insuficiente de servidores. Em 2013, se somou a esse cenário um forte contingenciamento orçamentário que afetou diretamente a execução das atividades finais do órgão, como por exemplo, o Sorteio de Municípios, uma ferramenta de fiscalização in loco. Lembro-me o quanto eu e a Rede Amarribo Brasil-IFC lamentamos o corte dos sorteios. Em cada edição deles, enquanto diversos prefeitos do país se arrepiavam com a ideia, nós sempre torcíamos para que nossas cidades fossem sorteadas para receberem a fiscalização da CGU.
Sem conseguir realizar os sorteios e diversas outras atividades, a CGU foi colocada em situação de inadimplência orçamentária e financeira. Foram suspensos os serviços de copa, limpeza, manutenção predial, vigilância e ar condicionado. O departamento da Corregedoria foi fechado, o corpo diretivo transferido para o edifício-sede da CGU, e parte dos servidores seguiram realizando suas tarefas por meio de trabalho remoto. Só em dezembro de 2013 que essa situação foi normalizada e o prédio da Corregedoria voltou a ser ocupado, porém, o número de funcionários seguiu o mesmo.
PublicidadeJá neste ano, em abril, Hage enviou uma nota técnica para a Casa Civil e para o Ministério do Planejamento expondo novamente a situação e fazendo um apelo para que fosse autorizada a convocação dos candidatos que passaram em um concurso de 2012 e que fosse percebida a “relevância das funções de controle e combate à corrupção para o governo como um todo”. Na nota, Hage declarou ainda que “o esforço de fazer mais com menos atingiu seu limite” e que “o órgão está operando aquém das reais necessidades”. O governo alegou que estava analisando as possibilidades orçamentárias.
Restrições orçamentárias realmente existem, e é por isso que também existem prioridades, uma vez que não é possível tratar todas as áreas da mesma forma. Porém, a situação da CGU não é novidade para o governo, que vem sendo alertado há no mínimo quatro anos, e demonstra assim incoerência entre o discurso e a prática.
Dilma Rousseff, durante toda a campanha eleitoral e sempre que é cobrada sobre a corrupção em seu governo, fala de boca cheia das ações da CGU, que seu governo foi o que mais investigou e puniu a corrupção, que irá criar condições para se investigar cada vez mais e que o combate à corrupção sempre foi e continua sendo prioridade em seu governo. Dilma chegou a dizer em uma entrevista que deu todos os instrumentos para a CGU atuar. Porém, não é isso que os documentos e notas técnicas que circulam pelos corredores de Brasília. A atenção dada a CGU, que representa quase nada no orçamento do governo federal, não tem sido em nada prioritária como diz a presidenta.
A CGU segue com uma equipe muito menor do que o necessário, com condições de investigação e atuação limitadas e cada vez mais atribuições com as novas leis de prevenção e combate à corrupção. A relevância de suas funções de controle e combate à corrupção, como Hage tanto pediu para ser reconhecida durante os anos que esteve à frente da casa, parece ainda não terem sido percebidas pelo governo que tanto se vangloria de ter criado o órgão.
Alguns estudos demonstram que é exatamente essa falta de entendimento (ou falso entendimento) o problema do Brasil. De acordo com Charles Holland, o Brasil é um dos países menos auditados do mundo. Nos EUA, há um auditor para cada 2.327 habitantes; na Inglaterra, a relação é de um para 1.316; na Holanda, um para 899. Enquanto isso, no Brasil, a relação é de um para 24.615 habitantes. Dados esses que só reforçam a necessidade de se elevar fortemente o nível de investimentos nos órgãos de controle, como a CGU, que além da parte de auditoria conta com departamentos estratégicos fundamentais não só para o combate, como para a prevenção da corrupção e a promoção da transparência pública, evitando assim desvios de recursos e maior eficiência dos gastos públicos.
O cenário, portanto, é preocupante e fica ainda mais nebuloso com o pedido de demissão de Jorge Hage, que de forma corajosa guiou fortemente a CGU durante os últimos oito anos. É um 9 de dezembro triste. Seja quem for que entre em seu lugar, o desafio é enorme, não só pelo grande homem que o(a) novo(a) ministro(a) terá como antecessor, como pela incoerência entre o discurso anticorrupção e a prática, que deve ser superada com a mesma dureza com que o governo afirma ser o maior interessado em punir corruptos e corruptores.