Ricardo Ferraço *
É mais do que oportuno o debate em torno do realinhamento econômico-financeiro das dívidas estaduais e municipais. Afinal das contas, essas dívidas foram renegociadas pela última vez num cenário econômico completamente diferente – em 97 e 98, no caso dos estados, e em 2001, no caso dos municípios.
Naquela época, o desequilíbrio financeiro de estados e municípios havia chegado a um nível explosivo. Mais que um alívio financeiro para governos estaduais e prefeituras, a renegociação dos débitos representou a possibilidade de um ajuste fiscal fundamental para o equilíbrio econômico do país.
Ajuste que seria depois reforçado com a Lei de Responsabilidade Fiscal, um marco na gestão de nossas contas públicas, que deu ao Brasil a segurança necessária para consolidar o fim do processo inflacionário e atravessar momentos de maior turbulência, como a recente crise financeira internacional.
Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, União, estados e municípios passaram a registrar superávits primários em suas contas e a pagar suas dívidas rigorosamente em dia. Mas por mais que estados e municípios paguem, o saldo da dívida só faz aumentar. Levantamento feito com base nos dados do Balanço Geral da União mostram que no fim de 2000 o saldo das dívidas renegociadas pela União era de R$ 199,3 bilhões. Em dezembro de 2010, havia saltado para R$ 439,8 bilhões – isso depois de governos estaduais e municipais já terem desembolsado R$ 199,8 bilhões.
A explosão das dívidas de estados e municípios tem por base contratos completamente defasados. Contratos que têm como indexador o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna, o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, além de uma taxa de juros entre 6 e 9% ao ano.
O Ministério da Fazenda já reconheceu que o IGP-DI era um indexador correto para as dívidas estaduais em 97, quando a Selic estava muito elevada. Mas que, de lá para cá, a Selic caiu muito e o IGP-DI revelou-se completamente inadequado, uma vez que é muito sensível aos choques de preços internos e externos.
PublicidadePara se ter ideia, entre 97 e 2010 o IGP-DI acumulou uma inflação de 229%; o IPCA, índice usado pelo Banco Central no sistema de meta de inflação, cresceu 134%. Outra comparação: a Selic acumulada entre 97 e 2010 foi de 691,73%; o custo do IGP-DI mais 7,5% ao ano foi de 709,69% e o do IGP-DI mais 6% ao ano foi de 567%.
O que está havendo, na prática, é uma transferência de renda dos Estados e municípios para a União, por conta dos contratos das dívidas renegociadas. Em português bem claro: é uma apropriação indébita.
Trocar o IGP-DI pelo IPCA e reduzir o limite de comprometimento da receita corrente líquida de estados e municípios talvez seja uma boa solução para aliviar o caixa dos governos estaduais e das prefeituras. Mas a negociação entre as partes pode resultar em propostas até mais adequadas. Certo é que se faz urgente encontrar uma solução para essa bola de neve financeira, que ameaça engolir as contas de estados e municípios.
Ao proibir o refinanciamento de dívidas entre entes federados, a Lei de Responsabilidade Fiscal tinha por objetivo dar um basta a uma prática comum no passado, quando governantes sempre contavam com o socorro financeiro da União. Mas a lei acabou sendo rígida demais, ao proibir a necessária repactuação de contratos de longo prazo, em caso de mudanças de conjuntura econômica.
Para evitar essa distorção, que penaliza estados e municípios, o que sugerimos é abrir uma exceção à regra prevista no artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Contratos com prazo de duração igual ou superior a vinte anos firmados entre entes da Federação antes da promulgação da referida lei poderiam ser repactuados, com o exclusivo objetivo de restabelecer seu equilíbrio econômico-financeiro.
Com isso, será possível construir soluções capazes de alavancar a capacidade de investimentos de estados e municípios sem prejuízo dos compromissos, limites e princípios estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, um patrimônio brasileiro.
*Senador pelo PMDB/ES