Dr. Rosinha*
Na última semana, Brasília sediou a primeira edição da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que terminou com a aprovação de 672 propostas —601 diretamente pelos grupos de trabalho e outras 71 pela plenária final.
Apesar do boicote de parte dos empresários, historicamente avessos ao debate sobre a própria área em que atuam, e dos sucessivos recuos do governo diante de ameaças das entidades patronais que permaneceram na comissão organizadora, o balanço final da 1ª Confecom é notadamente positivo.
Entre as propostas aprovadas —parte delas por consenso entre movimentos sociais, poder público e empresários— estão a criação do Conselho Nacional de Comunicação, de caráter deliberativo; a instituição de mecanismos para evitar a concentração horizontal, vertical e cruzada dos meios de comunicação; a definição dos sistemas público, privado e estatal; a redução, de 30% para 10%, do limite para o capital estrangeiro nas empresas do setor; a criação de um código de ética do jornalismo brasileiro; e a proibição de políticos de exercer a função de comunicador em qualquer concessão pública durante o exercício do mandato.
A Confecom também aprovou a criação de uma nova lei de imprensa, com garantia do direito de resposta; a formação de um observatório nacional de mídia e direitos humanos; a proibição de sublocação de espaços na grade de programação; a universalização da banda larga, com serviço prestado em regime público; e a anistia a comunicadores processados por operar rádios comunitárias.
Desde 2003, o governo Lula já promoveu mais de 70 conferências nacionais, em diversas áreas, algumas delas inéditas, como a da população LGBT, em maio de 2008. Previstas pela Constituição, essas conferências são espaços para grandes debates, em que delegados de todo o país, eleitos por diferentes segmentos da sociedade, aprovam diretrizes para a definição de políticas públicas.
A mais tradicional é a Conferência Nacional de Saúde, realizada pela primeira vez em 1937. Retomada em 1986, após a ditadura militar, ela subsidiou o capítulo constitucional que resultou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1991.
Também inédita, a Confecom teve três eixos temáticos: “Produção de conteúdo”; “Meios de distribuição”; e “Cidadania: direitos e deveres”. Ao longo de quatro dias, os cerca de 1,7 mil delegados debateram e votaram propostas divididas em 15 grupos de trabalho.
Como observou o presidente Lula na abertura do evento, a Confecom deve estimular o Congresso Nacional a se debruçar sobre o tema da comunicação, e os candidatos à Presidência da República precisam se pronunciar sobre o assunto e incluí-lo em seus programas de governo.
Entre as entidades patronais que fugiram do debate da Confecom estão a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Brasileira de TV por Assinatura e a Associação Nacional de Jornais.
Em nota após o evento, a Abert declarou que a maioria das propostas aprovadas “atenta contra princípios constitucionais como a liberdade de imprensa e a livre iniciativa”.
Trata-se de uma posição retrógrada, enviesada, incapaz de enganar leitores, ouvintes ou espectadores minimamente informados sobre o assunto. A participação popular e o controle social são imprescindíveis para garantir a comunicação como um direito humano, e não apenas de poucos grupos ou famílias que detêm a propriedade dos veículos de mídia.
A regulação pelo Estado se faz absolutamente necessária diante de uma realidade de concentração, de ausência de produção regional e independente, de falta de um mínimo de pluralidade.
Agora, a tarefa urgente é, a partir da sistematização das propostas aprovadas pela Confecom, convertê-las em projetos de lei e apresentá-los no Congresso Nacional. Quem sabe seja possível criar um grupo de parlamentares, de diferentes partidos, com o objetivo de defender e articular a aprovação dessas propostas.
Para tanto, é imprescindível a pressão da sociedade civil sobre o Legislativo, onde o lobby das empresas de comunicação é atuante e influente.
Com a institucionalização da Confecom, aprovada pelos delegados presentes em Brasília, espera-se para os próximos anos uma série de avanços quanto à democratização das comunicações no Brasil.
Não se trata de uma tarefa fácil, e não são poucos os interesses financeiros envolvidos. A tão sonhada democratização da mídia passa por um processo gradual, de lutas e conquistas, que começou há décadas e precisa ser cada vez mais ampliado e coletivo.
*Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR)