Edson Sardinha
Candidatos hoje à Presidência da República, os então deputados Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) divergiram em pelo menos oito das votações mais importantes para o trabalhador durante a Assembléia Nacional Constituinte (1987-1990), segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
De acordo com o livro "Quem foi quem na Constituinte", do Diap, os dois tiveram o mesmo posicionamento na maioria das vezes, o que lhes garantiu um lugar na relação dos constituintes mais afinados com os direitos dos trabalhadores. A publicação, que analisa o desempenho dos parlamentares ao final de cada legislatura, deu nota 10 a Lula, identificado como "principal líder operário do país", e 7 a Alckmin, que se autodefiniu como "político de centro-esquerda" (veja como eles votaram).
Ambos votaram a favor, por exemplo, do direito de greve, do aviso prévio proporcional, da reforma agrária, da estabilidade do dirigente sindical, do turno de seis horas de trabalho e do salário mínimo real. Os dois também foram derrotados ao votar juntos contra a prorrogação por mais um ano do mandato presidencial de José Sarney.
No entanto, em cinco ocasiões, Lula e Alckmin manifestaram posições diametralmente opostas. Isso ocorreu na análise das propostas que previam a concessão de cinco dias para a licença paternidade (Lula a favor; Alckmin contra), o fim da estabilidade no emprego (Lula contra; Alckmin a favor), a nacionalização do petróleo (Lula a favor; Alckmin contra), a redução de 44h para 40h da jornada de trabalho (Lula a favor; Alckmin contra) e a manutenção do presidencialismo como sistema de governo (Lula a favor; Alckmin contra, apoio o parlamentarismo).
O então líder do PT se absteve em duas votações: a que pôs fim ao monopólio para a distribuição do petróleo e a que garantiu a unicidade sindical. Já o tucano, que começou aquela legislatura no PMDB, disse sim nas duas vezes. A oitava proposta em que os dois divergiram é a que estabeleceu o prazo de cinco anos para que o empregado reclame do empregador seus direitos trabalhistas. Alckmin foi a favor da proposta num turno, como Lula, e contra no outro.
O negociador e o propositor
PublicidadeNa avaliação do diretor de Documentação do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, o tucano e o petista jogaram em campos distintos na Constituinte. Como líder de sua bancada, Lula priorizou as negociações com as demais lideranças em torno do conteúdo das principais matérias a serem votadas. Ainda longe de ser uma figura expressiva no PMDB ou mesmo no PSDB, partido que ajudou a fundar em 1988, Alckmin se dedicou à apresentação de projetos principalmente nas áreas de saúde, seguridade social e segurança pública. Entre as propostas dele, está a que resultou no Código de Defesa do Consumidor.
A diferença de perfil, segundo Antônio Augusto, explica a diferença no número de proposições e pronunciamentos feitos pelos dois no período. Enquanto Alckmin apresentou 55 projetos de lei entre 1987 e 1990, Lula encaminhou apenas seis propostas, além de dois pedidos de informação ao governo federal. Mesmo na liderança de seu partido, o petista ocupou menos vezes a tribuna da Câmara do que o seu atual adversário. Fez 69 discursos, ante os 84 pronunciamentos do tucano.
Estranho no ninho
"Lula deixava o encaminhamento das votações para o José Genoino e mergulhava na negociação do conteúdo das matérias", lembra Antônio Augusto. Segundo ele, Alckmin ainda não fazia parte, naquela época, do "primeiro time" tucano, liderado por Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas.
"Uma prova disso é que o Alckmin não votou com aquele grupo várias vezes", observa o analista político, ao lembrar que Covas, FHC e Serra, inclusive, receberam do Diap notas inferiores à de Alckmin. "Os três participavam das negociações e, em nome desses acordos, assumiram posições que não lhes favoreciam eleitoralmente", diz. "Daí Alckmin figurar, pelas votações, mais à esquerda do que eles", completa.
Duas das propostas apresentadas por Alckmin causaram polêmica na época e sobreviveram por pouco tempo. Uma (PL 4940/90) estendia a jovens com idade entre 16 e 18 anos o direito de dirigir desde que com autorização judicial e dos responsáveis. A outra (PL 1734/89), que reduzia de 18 para 16 anos a maioridade penal, foi rejeitada por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça, por ser considerada inconstitucional.
O deputado voltaria a se destacar na legislatura seguinte, em 1991, quando Lula já não tinha mais mandato, ao relatar a Lei de Benefícios da Previdência Social. Poucos dias antes de concluir a legislatura, o tucano renunciou ao cargo para assumir o cargo de vice-governador de São Paulo, na gestão Mário Covas, em janeiro de 1995. Era o primeiro passo para chegar à corrida presidencial.