Apollo Natali *
Entre as tentativas sem fim de se ganhar na loteria, a melhor delas é a do governo. Ele é o banqueiro. Fica com quase toda a grana e não precisa arriscar um centavo. D. Pedro II proibiu no ano de 1884, em todo o Império, a venda de bilhetes de loteria. Eram estrangeiros!
Na ausência do imperador, os bilhetes voltaram. O Brasil nacionalizou os jogos de azar. E olha quantos filhotes já nasceram: Loteria Esportiva, Quina, Dupla-Sena, Mega-Sena, Lotomania, Lotofácil, Timemania, Totobol, Loteria Federal, raspadinhas. Esqueci alguma?
Os estados também trataram de se virar e criaram as próprias loterias para fazer receita, hoje extintas. Nossa, quantas suspeitas de roubalheira!
E observem essa tal de capitalização, vendida pelos bancos. Igualmente, não rende nada. O otário do comprador, quando vai resgatar, só recebe o valor gasto. O cretino capitaliza o banco enquanto ele mesmo e sua família ficam descapitalizados. É um jogo. Perde-se sempre.
PublicidadeTolerados e camuflados persistem os bingos, caça-níqueis, roletas, bacarás, vinte-e-um, bisca, pôquer.
Ah, o imortal jogo do bicho! Ilegal, oficialmente tolerado, arrecada ouro puro para os seus banqueiros. Sem impostos. O jogo do bicho é tido pela criatura popular como a única instituição que funciona bem neste país. É o jogo mais confiável. Código de honra da loteria zoológica: ganhou, recebeu.
Mas o respeitável público já sabe de tudo isto. O que ele quer mesmo saber é como ganhar na loteria. Há mais de 40 anos o matemático Flávio Wagner Rodrigues, da Universidade de São Paulo, fez uma análise das chances de se acertar na antiga Sena. Chegou à conclusão de que naquele jogo só ganhava o governo. Aliás, como já se pode constatar nas primeiras linhas desta lenga-lenga.
O matemático advertia que havia uma única chance em 16 bilhões de se acertar os seis números. É preciso ter muita fé em Deus para ganhar, já rezava aquele guru dos números.
Vai ter fé em Deus assim no meio do mato, deputado João Alves, chamado anão do orçamento, alusão a mais um escândalo de corrupção que rendeu CPI, esta em 1993.
Tido como chefe do bando, ele renunciou antes de ser cassado] disse ter ganhado 125 vezes na loteria, com a ajuda de Deus. Apesar do cheiro de enxofre que empesteava o ar…
Anotem alguns sortilégios para ganhar: fé em Deus. Os números das idades ou datas de nascimento dos membros da família. Números dos RGs e CPFs. As idades das muitas namoradas (quem não teve muitas joga menos). Os números dos códigos de barra dos supermercados. Os números das casas pelas quais o pobre que mora de aluguel já passou (foi como um sujeito se tornou milionário nos EUA).
Ponho em prática esses aplicativos desde o começo do século passado. Já com um pé na cova e outro na sepultura, não ganhei nada até hoje.
Não desisto. Coloco três montinhos de açúcar na mesa. À medida em que as moscas pousam, marco as colunas na loteria esportiva. Atenção, mosca à esquerda, coluna um. À direita, coluna dois. No meio, empate. Meu bendito pai, só olhando. Balança a cabeça e lamenta: posso ficar louco um dia, nunca se sabe, mas não vai ser desse jeito.
Inventei um piãozinho de madeira de seis faces, com as colunas um, do meio e dois nos lados. Aí meu pai fala que vai rezar em favor do meu equilíbrio mental.
Ah, me deixem falar sobre os ateus que ganham na loteria. Espertíssimos, não rezam. Fraudam resultados. Houve manipulação de sorteios de jogos de futebol na Alemanha, Itália, Brasil e outras louvadas democracias.
Há uns 40 anos o jornalista Juca Kfouri denunciou na revista Placar a manipulação dos jogos da loteria esportiva daqui. Pela justiça anglo-saxã, os finórios seriam presos. Cá na patriamada, não!
Menos tempo atrás, a TV Globo denunciou uma quadrilha de integrantes de alto coturno que fraudava nossa rica mega-sena. O programa foi exibido às 3 da madrugada (para não provocar ondas de indignação?).
No Equador, também há um tempão, uma quadrilha fez sair no primeiro prêmio da loteria federal os números todos iguais. Tudo zero. Assim dá na vista, malandros! Deu prisão.
No mês de janeiro do Ano de Nosso Senhor de 2006, o jornal Agora, de São Paulo, noticiou, sem muito alarde, a desconfiança dos apostadores na lisura da Mega-Sena.
Duas coisas. Primeira: perguntem a qualquer um na rua, em casa, no trabalho, no metrô, no ônibus, no táxi, se alguém acredita na honestidade da Mega-Sena. Tenho perguntado muito. A resposta é sempre não.
Segundo: impressionantes os seguidos recordes nos resultados da Mega-Sena. A cada sorteio, centenas de milhões de perdedores.
* É jornalista e cronista.