Estou em Dalian, cidade portuária, no norte da China fortemente industrial que agora busca a vocação de tornar-se um centro de conferências internacionais. Recentemente foi a Summer Davos (Davos de Verão). Agora é o Low Carbon Earth Summit (A Cúpula de Baixo Carbono), à qual fui convidado para falar sobre a Rio + 20 e as negociações do Clima, na ótica brasileira. Passei rapidamente por Beijing, onde voltarei no dia 22 para reuniões com a prefeitura e visitas a fábricas de fotovoltaicas. Ontem, visitei o Centro China-Brasil para Mudanças Climáticas e Tecnologias de Inovação Energética, uma iniciativa conjunta da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), com a universidade Tsinghua.
Cheguei à China num momento crucial, num ponto de mutação. Hoje, no China Daily, jornal em inglês que oficiosamente expressa a visão do PCC, Wei Jianguo, vice-ministro do Comércio, admite para 2012 a possibilidade de um déficit na balança comercial da China, algo que não acontecia desde 1993. Wei aponta para o déficit como apenas uma possibilidade, mas o fato do órgão oficioso do partido apenas cogitar essa possibilidade é altamente significativo e equivale àquela nossa boa e velha piada: “Sua mãe subiu no telhado”.
Com efeito, embora o déficit comercial não seja líquido e certo, o que parece inevitável é uma profunda – embora eventualmente gradual – mudança do modelo econômico chinês. Os tempos do hipercrescimento econômico de uma economia obsessivamente voltada para a exportação com uma forte poupança, um enorme investimento anual e pouco cuidado com impactos ambientais e sociais tem seus dias contados. Esse “milagre econômico” chinês, ainda mais milagroso que o alemão no pós-guerra ou o brasileiro dos tempos da ditadura, retirou 600 milhões de pessoas da linha da pobreza e criou uma classe média maior do que toda a população dos EUA.
Mas o PCC e as instâncias econômicas do governo chinês estão meticulosamente se preparando para tentar expandir o mercado interno com ampliação do consumo, oferta de mecanismos de seguridade social e cuidados com o meio ambiente duramente impactado por esse crescimento vertiginoso que transformou a China na “fábrica do mundo”. Essa transformação pode ser acelerada pela queda das exportações, sobretudo para a Europa e os EUA, mas há fatores estruturais que a tornam inevitável mesmo sem a crise. A China está ficando menos “barata” e isso já se nota no comércio de Beijing. As coisas não são tão mais baratas assim em relação ao nosso caríssimo Rio.
A política do filho único implementada de forma feroz nos últimos 30 anos está trazendo seus efeitos menos desejáveis, para além da frustração das famílias. O número de crianças na escola já começou a diminuir, a mão de obra começa a escassear e os salários a subir pelo efeito da lei da oferta e procura. A oferta de terrenos abundantes para a construção civil e as indústrias começa a escassear. Há também um número crescente de conflitos sociais, ambientais e urbanos que apenas em alguns casos são reprimidos. Há fortes rivalidades regionais e, certamente, visões diferentes no PCC sobre como fazer frente a um futuro incerto.
A China é o principal país emissor de gases de efeito estufa, onde ocorrem episódios gravíssimos de todo tipo de poluição ambiental e, ao mesmo tempo, é de longe, o país com os maiores projetos de reflorestamento, investimentos em energia solar e carros elétricos. Ao iniciar sua nova longa marcha para um novo modelo econômico cujos contornos apenas se esboçam, a China se esforça para reforçar sua parceria muito especial com o Brasil. Corremos o risco de sermos afetados nas nossas exportações por uma China mais retraída e autocentrada. Mas isso não é certo se nossas exportações se ajustarem à nova fase da economia chinesa. Decisivo será o destino do boom de construção civil, talvez o lado mais visível do impressionante “milagre chinês”.
Diante do hotel onde fiquei, o Lee Garden Service Apartments, na Jinyu Hutong, a quinze minutos a pé da Praça da Paz Celestial, há uma obra do outro lado da avenida. Num momento insone de jet lag, olhei pela janela às 4h30 da manhã e lá estavam os operários com seus capacetes amarelos, vermelhos e laranja, trabalhando, trabalhando… uma cena que ajuda a compreender a essência do que se passou aqui nos últimos 20 anos.