Rudolfo Lago *
É inegável que o cenário projetado a partir da eleição municipal deixa hoje José Serra na condição de favorito para 2010. Mas daí a já colocá-lo sentado atrás da mesa do principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto vai uma distância imensa.
Já há apressados no mundo da análise política colocando o governador de São Paulo, José Serra, sentado em 2010 na cadeira que fica atrás da mesa do gabinete principal do Palácio do Planalto. A esses apressados, recomenda-se um pouco de calma. Vale lembrar que, no final do ano passado, na convenção nacional do PSDB que elegeu o senador Sérgio Guerra o presidente do partido, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, deu um banho em Serra. Na ocasião, entrou com claque no meio do discurso de Serra, interrompendo-o. Depois, a mesma claque interrompeu o discurso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Depois que Aécio rasgou a fantasia e explicitou seus planos naquela convenção, por muitas vezes imaginou-se que era ele quem começava a ficar por cima da carne seca.
Se não bastar, lembro também que, no início da campanha em São Paulo, muita gente apostava que Gilberto Kassab, que tinha então uns 10% de intenção de voto nas pesquisas, não iria até o fim. Mesmo mais perto do final, apostava-se ainda que a disputa entre Kassab e Alckmin seria apertadíssima, o que geraria um tremendo racha no PSDB de São Paulo, com conseqüências irreversíveis, sendo que a maior delas seria uma provável vitória de Marta Suplicy. Enquanto isso, em Belo Horizonte, o candidato de Aécio e do prefeito petista Fernando Pimentel, Márcio Lacerda, depois de uma patinada no início, disparava na frente. Fácil seria naquele momento apostar no fim da aliança oposicionista entre o PSDB e o DEM e no início da tese de Aécio do pós-Lula, a partir de um entendimento tucano-petista. Agora, o DEM agarra-se a Kassab como bóia de salvação para sacramentar a continuação da aliança oposicionista com o PSDB, Serra surfa com a vitória da sua tese, e Aécio amarga as conseqüências da sua aposta furada em Márcio Lacerda.
Até quando? Até a próxima mexida das nuvens. Era o ex-governador mineiro Magalhães Pinto que dizia: “Política é igual nuvem; você olha, está de um jeito, olha de novo já está de um jeito diferente”. É claro que as eleições municipais deste ano projetam para 2010 um cenário favorável a José Serra. Ele é hoje líder nas pesquisas. Sua tese venceu no principal colégio eleitoral do país. No cenário político brasileiro, apesar de toda a popularidade de Lula, o PT continua com os mesmos problemas no Sul e no Sudeste que puderam levar o picolé de chuchu Geraldo Alckmin ao segundo turno em 2006. Na próxima disputa presidencial, o candidato da oposição tem bem maior consistência política que Alckmin. E o governo aposta num nome nunca testado nas urnas, com fama de durona e antipática, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Como, porém, a eleição presidencial não é amanhã…
Já se detecta um primeiro sinal de mexida de nuvem. Embora ela possa reforçar ainda mais a posição de Serra, é só um exemplo de como o quadro político nunca é estanque. A imensa força com a qual o PMDB saiu dessas urnas municipais coloca o PT completamente à mercê do velho partido dos caciques regionais. E o PT está apavorado com isso. Não apenas porque sabe que os peemedebistas, como sempre fazem, vão cobrar cara a fatura. Mas porque temem que o PMDB, como também gosta de fazer, volte a praticar seu esporte preferido de navegar com um pé em cada canoa. Em São Paulo, o PMDB optou pela candidatura de Kassab. Pode vir a fechar um acordo em 2010 com a chapa oposicionista para reservar uma vaga de senador para Orestes Quércia. Se fizer assim, vai caminhar em São Paulo no sentido oposto do propalado projeto nacional peemedebista de se associar à candidatura presidencial do governo. Primeiro passo para que, como aconteceu na eleição passada e em outras, o PMDB não consiga estar oficialmente em chapa nenhuma. Para poder de alguma forma estar em todas.
Se não tiver oficialmente o apoio peemedebista, o PT vai ter de procurar outros parceiros oficiais. A situação pode ressuscitar atores políticos que não se saíram tão bem nas eleições municipais. Não custa lembrar que o deputado Ciro Gomes é o nome da base governista que sempre aparece melhor nas pesquisas. Seu problema é que, diante do PMDB, seu fraquinho PSB não tem a menor chance de reivindicar nada… Mas, se o PMDB ficar de fora…
Ciro até pode vir a lembrar que é nome já testado e melhor colocado nas pesquisas, diante da aposta incerta em Dilma. Ou o PSB pode vir a compor dando um vice de menor visibilidade e maior confiabilidade, como o governador de Pernambuco Eduardo Campos.
Aécio Neves também não estará morto. Deve ter outras cartas na manga. Assim como Alckmin, que pode ir para o PSB e reforçar o partido de Ciro num estado em que ele não é forte. Em dois anos, ainda vai ventar um bocado para mexer com as nuvens no céu.
* Jornalista há 22 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ. Também mantém o blog http://www.rudolfolago.blogspot.com/.