Paulo Novais *
As normas referentes ao processo legislativo dizem respeito a uma atividade essencial do Estado, a de fazer leis, por isto espera-se que sejam o mais coerente, o mais sólido e o menos inseguro possíveis. Na prática, no entanto, a realidade é outra. Por vezes, tem-se a impressão de que há um processo legislativo para cada presidente da Câmara. Um processo legislativo para cada caso.
Numa breve repassada pela história legislativa da Casa, tem-se uma sensação de volatilidade das normas processuais, principalmente quando analisamos as questões de ordem: instrumento regimental pelo qual o presidente define a interpretação dos dispositivos regimentais e constitucionais que será observada.
A exemplo, em 1999 a questão de ordem 951 foi decidida no sentido de que não é possível pedido de retirada de pauta de requerimento de urgência. Mas em 2010, a questão de ordem 689 decidiu que é sim possível o pedido de retirada de pauta de requerimento de urgência. Impasse? Talvez apenas uma mudança de entendimento, não fosse outra decisão no ano seguinte. É que, em 2011, a questão de ordem 33, decidiu novamente que não é possível o pedido de retirada de pauta de um requerimento de urgência.
Durante o processo de elaboração das leis, os parlamentares esperam o mínimo de segurança com relação aos procedimentos, como serão dados os encaminhamentos, que entendimentos serão seguidos pela Mesa, etc. Esta esperança num processo legislativo menos volátil é o anseio principalmente das minorias, pois, sabendo que não podem ganhar no voto, querem ao menos a garantia de um processo sem surpresas a cada evento circunstancial.
Mas os sobressaltos chegam a atingir o próprio texto constitucional, perante a onipotência do presidente para decidir as questões de ordem. Nesse ponto, me refiro à questão de ordem 411/2009 da Câmara dos Deputados. A Constituição prevê, no § 6º do art. 62, que depois do 45º dia da edição da Medida Provisória, ficarão “sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”. A questão de ordem 411/2009 definiu que a expressão “demais deliberações legislativas” só compreende as matérias acerca das quais a Constituição autoriza a emissão de Medidas Provisórias. Portanto projetos de lei complementar, propostas de emenda à Constituição, projetos de lei ordinária com matéria penal, todos podem ser votados tranquilamente, pois para estes não opera o trancamento da pauta. Foi-se a Constituição!
Ah, e para piorar o cenário, um detalhe: Como os projetos de lei ordinária, que contêm matéria penal, estão livres do trancamento da pauta, em virtude do artifício criado pela questão de ordem 411/2009, vislumbrou-se um outro artifício para o primeiro. Bom, se “queremos” votar um projeto de lei ordinária, mas a pauta está trancada, por determinação constitucional, e também não encontra guarida na questão de ordem 411, então temos uma saída: o relator insere um dispositivo penal no projeto, e pronto! Pode ser votado com a pauta trancada. Assim “ludibriamos” a Constituição e também a questão de ordem 411! Feito. Disto tratou a questão de ordem 454/2009.
Mas se esses são velhos exemplos de insegurança ou de adaptações casuísticas do processo legislativo, então vamos a 2013. Os projetos de lei com urgência constitucional, do art. 64, quando retornam do Senado tramitam, tradicionalmente, com o mesmo regime de urgência de quando saiu da Câmara, podendo trancar a pauta. (Isto ocorre porque entende-se que a urgência é para aquela matéria e não especificamente para o projeto). No entanto, no projeto dos royalties – PL 323/2007, a Mesa, para viabilizar os encaminhamentos políticos, divulgou que mudaria o entendimento e o projeto de lei com urgência constitucional, cuja matéria foi aprovada na forma de um substitutivo a um projeto apensado, não teria mais a urgência quando retornasse no Senado. O caminho estaria livre para votar outros projetos. Isto foi o que constou da pauta do dia 06/08/2013, onde o projeto do Executivo apareceu no rol dos “sem urgência”. Contudo, alterado o cenário e feito acordo para votar o projeto dos royalties, em poucos dias mudou-se o entendimento novamente e o mesmo projeto reaparece na pauta do plenário, no dia, 14/08/2013, desta vez constando novamente a referida e costumeira urgência, como deveria ser.
São casos e casuísmos do processo legislativo.
Publicidade* Paulo Novais é professor de processo legislativo e coordenador técnico de liderança partidária na Câmara dos Deputados