Marcos Magalhães*
O cenário é azul. O país chega a 2010 com crescimento de 5% ao ano e inflação de 4,5%, como quer o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os juros caem para quase civilizados 10%, a dívida pública permanece em comportados 40% do Produto Interno Bruto (PIB) e o déficit nominal do setor público limita-se a 0,2% do PIB. Estamos em ano eleitoral e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer fazer dos resultados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) uma arma para eleger o sucessor. Ainda assim, resta uma dúvida: que cara terá o Brasil depois de tudo isso?
Mesmo diante do cenário mais otimista, a pergunta ganha sentido e importância diante de um cenário internacional marcado pela divisão do mundo em diferentes tipos de agentes econômicos. As freqüentes ondas de inovação de empresas como a Apple lembram a renovada capacidade de reinvenção dos Estados Unidos. O ressurgimento do Japão, baseado na eletrônica de consumo e em áreas novas como a energia limpa, indica que o número dois da economia global também se renova. A China e a Índia, gigantes do planeta, aparecem como imbatíveis na produção de bens e serviços de baixo custo para todo o mundo.
E o Brasil? Ainda pensando no cenário mais otimista, sem nenhum sinal de crise internacional e de perfeito funcionamento da máquina estatal, chegaremos ao fim do PAC sem uma nítida vocação definida na nova economia global. A economia funcionará melhor. Depois de R$ 500 bilhões de investimentos em logística e energia, previstos no PAC, o país contará com 42 mil quilômetros de rodovias e 2,5 mil quilômetros de ferrovias novas ou reformadas. Terá ainda à disposição mais 12 mil megawatts de energia, ou uma nova Itaipu. Antigos gargalos terão sido removidos. Mas o país não terá investido maciçamente em nenhum setor de ponta.
Em entrevista à revista Época, o professor de administração norte-americano Richard Vietor dá a senha para o cenário global contemporâneo: “qualquer país precisa ter uma estratégia de crescimento”. O desenvolvimento dessa estratégia, diz ele, exige a resposta a perguntas importantes – entre as quais, em que setores de alto valor agregado cada país deseja se tornar exportador. Ou como educar a população e investir na criação da tecnologia necessária para a produção dos bens de alto valor agregado.
Autor do livro Como os países competem – Estratégia, estrutura e governo na economia global, ainda não lançado no Brasil, Vietor passa longe daquele perfil de professor americano que não gosta de política industrial. Ao contrário, ajudou o governo da Malásia a definir um plano industrial que tem por objetivo tornar o país desenvolvido até o ano de 2020. Na Malásia, o carro-chefe do crescimento será a tecnologia de informação. O governo daquele país investiu na criação de um “corredor multimídia” entre o aeroporto internacional e a cidade de Kuala Lumpur, capaz de atrair empresas de ponta de diversos países para produzir ali.
O PAC brasileiro, é bom lembrar, estabelece incentivos para dois setores intensivos de tecnologia: a televisão digital e a indústria de semicondutores. Deixa a desejar, porém, no estabelecimento de uma visão de longo prazo para o país. Mesmo que tudo corra conforme o previsto, chegaremos a 2010 ainda como um país conhecido por sua grande exportação de alimentos, minérios e produtos industriais de baixo conteúdo tecnológico. Teríamos apenas mais dez anos para, como a pequena Malásia, construir uma vocação nitidamente baseada na economia do conhecimento.
Nem por isso o PAC é ruim. Ao contrário, desata antigos nós que andam limitando há anos o crescimento do país. Aposta em novas fronteiras agrícolas, como demonstra o anúncio da construção de mais um trecho da ferrovia Norte-Sul. Ajuda a desenvolver o turismo, com a duplicação em quase todo o Nordeste da rodovia BR 101. E estimula setores intensivos de mão-de-obra como a construção civil, em um momento de grande desemprego. Ainda assim, não será desta vez que o Brasil vai garantir um lugar entre os países mais criativos e inovadores do mundo.