Dez da noite. Trinta e três graus. Aqui na Glória a Brisa é uma constante. Quem não tem família nem animais em casa, às vezes, obedece aos seus caprichos. Ela diz que é pre’u desligar a tevê e ir até a janela, tomar a fresca e me esbaldar com o espetáculo. “Olha lá”, diz a Brisa. “Olha o futuro”:
“Num futuro próximo as mulheres serão travestis”.
“Como é????”
“Nem todas, só as evoluídas. Em primeiro lugar – ela me diz -, o pau no meio das pernas da mulher não mais acarretará estranhamento de ordem moral. O olhar precisa ser educado. Até que a linguiça deixará de ser uma aberração. Quando as partes, corpo e alma, se ajustarem ao novo modelo, aí sim, chegaremos à finalidade estética da coisa. Somente o belo se reproduzirá”.
Tava mais fácil de acompanhar o programa da Luciana Gimenez. Todavia a Brisa sopra forte, acompanhada de uma lufada de vento quente:
“O vendedor de churros e o português da padaria também vão ser travestis. E o aparelho reprodutivo de ambos, homem e mulher, existirá num outro ambiente”.
Talvez numa piscina de bolinhas coloridas do Parque Aquático do Gugu, penso comigo mesmo, apesar de a Brisa insistir em levantar as cortinas, e soprar:
“Laerte Coutinho será o Leonardo da Vinci do século 26”.
Também acho, e eu sinceramente boto a maior fé no Laerte. Lá embaixo o movimento dos travecos é intenso:
“As mulheres pintudas preservarão a espécie. Existe uma lei universal e imutável, memória genética. Já ouviu falar de Deus?”
“Deus? Ouvi sim, vagamente”.
“A diferença é que isso somente acontecerá – diz a lufada de vento que vem acompanhada da Brisa – a partir de padrões estéticos… ou divinos. Em vez de a vida ser gerada de dentro para fora, o maior espetáculo da Terra vai produzir o movimento inverso. Internet, e geringonças do feitio de celulares e afins serão acoplados via chip no corpo traveco-metafísico-feicibuquento das pessoas. Ouviste falar em hologramas?”
Já tinha ouvido falar em Deus, e visto os tais hologramas num show da Sula Miranda que homenageava o falecido Wando, coisa mais brega. Enquanto Brisa divagava, ocorreu-me que o rio Pinheiros poderia mudar de nome, em pouco tempo as pessoas ficariam presas nos congestionamentos da marginal do rio Vera Verão. Mas pera lá. Quem parou lá embaixo? O vidro elétrico de uma BMW vai descendo, e a morena de sandália prateada dá de ombros.
“Tá podendo”, diz a Brisa, e continua a me falar: “a dicção e os chiliques correspondentes do homo-travecus que rodam bolsinha debaixo da sua janela, aos poucos, sofrerão um aperfeiçoamento técnico – muito viado vai chiar e cometer redundâncias atrozes, mas isso acontecerá porque o ajuste vai ser feito pela fêmea pintuda. Que vai continuar sendo fêmea – assegura a Brisa, agora mais quente: – apesar dos protestos dos Malafaias do futuro”.
“O que tá ruim sempre pode piorar” – retruquei.
“Sim, eles continuarão ungidos e possessos, mas serão dependentes das mulheres pintudas para se reproduzir loucamente. Vai ser um pega pra capar, amici.”
Bem feito, penso comigo mesmo.
A Brisa faz o papel dela, e sopra: “Os travestis mal barbeados continuarão fazendo michê na injusta proporção do aumento das igrejas neo-evangélicas. Essas duas forças se equivalem e se ‘reto-alimentam’ “.
Nem a Brisa, que não é de ninguém, consegue se livrar dos trocadalhos, reflito. Ela completa meu pensamento:
“Pobres travecos que ficarão reféns do Prestobarba e de trocadilhos infames. Uma boa parte deles vai entrar pra Igreja do Silas, e perderá a chance de ser hermafrodita. Todavia, o DNA e o bom e velho Lavoisier se unirão numa aliança que derrotará os cercadinhos e a manipulação ideológica em torno do tema. Marta Suplicy será lembrada como um Goebbels de saias que sucumbiu a uma violenta overdose de botox”.
“E Malafaia que se entenda com o capeta!” Bem feito, penso outra vez. A Brisa sopra mais forte e mais quente:
“De modo que as hecatombes provocadas pelas TPMs e o patético gerado a partir da ebulição dos hormônios (que as antigas mulheres eram obrigadas a suportar por conta de suas condições de vacas leiteiras) serão revertidos em pintos esclarecidos e femininos. Capisce?”
“Não.” Ela, a Brisa, tenta me explicar: “Como se a mulher melhorasse o homem, a partir do pau do próprio que brotará da vagina dela mesma”.
“Ah, tá”. Lá se vai a inveja do pênis. Numa dessas Freud vai dançar, penso comigo.
A Brisa continua a soprar os ares do futuro: “Novos vasos comunicantes surgirão para substituir os antigos sistemas de reprodução. Óvulos e espermatozóides serão processados de uma só vez nos mesmos canais e/ou aparelhos de clonagem. De fora para dentro. Porém, quem não quiser deixar sua reprodução nas mãos de outrem, e não tiver a fim de se reproduzir nos piscinões e nos tobogãs do parque aquático do Gugu, poderá optar pelo bom e velho frango assado, Falópio já era, mas a cuspidinha pra dar uma lubrificada não vai cair em desuso, muito pelo contrário. Tudo on line. Porque do cu desses novos seres – garante a Brisa: – brotarão as vaginas do futuro!!”.
Dessa vez entendi. A buceta vai descer pro cu, acho que é isso. Vai ser uma coisa só. Daí a cuspinha lubrificante a se projetar no futuro. Quem diria… Se não bastassem as revelações ginecológicas bombásticas, a morena de sandália prateada trocou a BMW por um táxi Santana, e se pirulitou!
Brisa volta, e explica: “As novas Jéssicas e Monalisas evacuarão pelas axilas – e o resultado desse processo que hoje chamamos vulgarmente de cocô, será reciclado em usinas caseiras, destarte cumpriremos o ideal do moto-contínuo”.
“O ideal! Cumpriremos o ideal!”
“Sim – diz a Brisa, que sopra da Marina da Glória: – “comeremos nossa própria merda (in natura), que servirá não somente como alimento, mas também como fonte de energia e prazer. As gerações futuras serão o miojo – garantem a Brisa e a lufada juntas: – instantâneo delas mesmas. Em pouco tempo, menos de cem anos, nossos bisnetos serão todos coprófagos e travestis-hermafroditas. Viva o futuro!”
Viva, viva a Brisa, que sopra e leva meus pensamentos pra bem longe. Não me atrevi a perguntar o que iria acontecer com as lésbicas do futuro, nem com a MPB, nem com o traveco que subiu no táxi Santana. Espero que a Brisa leve o Palmeiras pra primeira divisão – até lá eu pretendo ter morrido na Glória, eu que acompanhei excitado o trottoir dos travecos debaixo da minha janela, de frente pra Praça Paris, sentindo a Brisa roçar minha nuca, ela, essa Brisa quente que me chama de meu bem.
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