Geraldo Magela/Ag. Senado
Lúcio Lambranho
A denúncia veiculada ontem pelo Jornal Nacional de que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), utilizou notas fiscais frias em sua defesa tornou imprevisível o que parecia até então inevitável: o arquivamento hoje do processo por quebra de decoro parlamentar contra o senador no Conselho de Ética.
A oposição vai pedir o adiamento da votação do relatório que propõe a absolvição de Renan e uma perícia sobre os documentos apresentados como defesa pelo senador. Até a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), uma das principais defensoras do peemedebista no Conselho, admite que o cenário mudou nas últimas horas.
"As denúncias vão mudar o clima dos debates, mas, se será suficiente para mudar a votação, não dá para saber", disse a senadora. Apesar de ter tido acesso aos documentos apontados como irregulares pela reportagem da TV Globo, o relator do caso, Epitácio Cafeteira (PTB-MA), defendeu o aprofundamento das investigações, mas disse que não irá alterar o seu parecer, apresentado anteontem.
“Não tenho que mudar meu relatório sobre uma coisa anterior. Meu relatório é sobre uma coisa antiga. De qualquer maneira, [a denúncia] deixa um grau de dúvida", disse. "Acho que pelo menos a denúncia deve ser examinada", acrescentou.
Nota fria
Cafeteira se refere à reportagem do repórter Carlos de Lannoy que desmonta a defesa de Renan. Acusado de ter recebido dinheiro de um lobista para pagar a pensão e o aluguel da jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha, o presidente do Senado sustenta ter ganhado R$ 1,9 milhão em negociações de gado nos últimos quatro anos.
Desses rendimentos, alega, saíram os recursos que bancaram os pagamentos mensais, que superam os vencimentos do senador – cerca de R$ 12,5 mil (leia mais).
Mas, segundo o Jornal Nacional, que teve acesso aos documentos entregues pelo próprio Renan ao Conselho de Ética, algumas das notas fiscais apresentadas por ele como prova da transação do gado eram frias (veja o vídeo).
Em Alagoas, Lannoy também constatou que empresas com as quais o senador alega ter negociado não funcionam. Pelo menos duas das indicadas por Renan como compradoras de seu gado foram multadas por extravio de notas fiscais, segundo o cadastro da Secretaria da Fazenda de Alagoas.
Pessoas que teriam comprado gado do presidente do Senado disseram que nunca viram e jamais tiveram qualquer relação com o peemedebista. Além disso, o gerente de uma das fazendas de Renan também contestou o patrão, que declara ter 1,7 mil cabeças de gado. Everaldo de Lima Silva disse ao Jornal Nacional que o rebanho não passa de 1,1 mil cabeças.
"A matéria só reforça a tese do DEM do voto em separado e de que é preciso haver perícia dos documentos. Deve haver uma investigação sem uma absolvição sumária", afirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
Demóstenes vai apresentar voto em separado hoje para suspender o processo no Conselho de Ética até que se ouçam outros envolvidos no caso e se faça uma perícia nos documentos apresentados pelo advogado de Renan. “Eu não vi e ninguém viu essas notas fiscais”, disse.
"Na vi a reportagem, mas se forem comprovadas as denúncias, é mais do que justificada a reflexão do Conselho de Ética para iniciar as investigações", disse o senador José Nery (Psol-PA), um dos autores da representação que resultou na abertura do processo contra Renan.
O líder do PSB, Renato Casagrande (ES), também considera que o presidente do Senado ainda deve explicações. "Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém. O senador diz que tem toda a documentação para comprovar os rendimentos agropecuários. Se tem, vamos esperar. Mas se ele não conseguir explicar de forma cabal, isso pode influenciar o voto no Conselho de Ética", avaliou.
Desconfiança
A mesma percepção tem o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). "Agora, mais do que nunca, se não houver uma explicação cabal, fica difícil votar", disse o petista. "Não existe a menor possibilidade para analisar os documentos em tão pouco tempo. Para evitar esse julgamento, podemos compor uma abstenção sobre o voto do senador Cafeteira", avisou o senador Jefferson Peres (PDT-AM), que admite a possibilidade de apresentar um voto em separado.
Antes mesmo da denúncia do Jornal Nacional, a operação rural apontada por Renan em sua defesa já não convencia plenamente seus colegas. Um de seus correligionários, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) declarou a este site estar impressionado com as maravilhas de que Renan é capaz de fazer como pecuarista.
Ex-ministro da Agricultura (no governo Sarney, entre 1985 e 1986), Simon comentou: "Estamos perdendo um baita ministro da Agricultura, considerando o rendimento declarado pelo Renan".
O presidente do Senado alega que cria 1,7 mil cabeças de gado em suas fazendas. O senador diz ter vendido 1.902 cabeças, ao preço total de R$ 1,9 milhão, entre 2003 e 2006.
De acordo com peemedebista, o maior comprador de sua produção pecuária foi o açougue São Jorge, em Benedito Bentes (AL), que emitia recibos em nome da MW Ricardo da Rocha. A empresa, segundo Renan, comprou dele R$ 429 mil. Mas declarou no ano passado um faturamento de apenas R$ 23 mil.
Procurado pelo Jornal Nacional, o senador se recusou a gravar entrevista. Por telefone, reafirmou a legalidade de seus negócios pecuários e acrescentou que eles foram fechados pelo veterinário Gualter Peixoto. Renan também contestou as afirmações feitas pelo gerente de suas fazendas, dizendo que ele não tem noção do tamanho do seu rebanho.
Como o Congresso em Foco publicou ontem, nem a Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal), órgão responsável pelo controle sanitário do rebanho do estado desde janeir