Estou lendo a biografia de Truman Capote escrita por Gerald Clarke.
Eu a encontrei atravessando numa segunda-feira a biblioteca deserta, livro do qual me aproximei a contragosto dos meus passos, de cuja leitura me acerquei com desgosto infinito como quem retorna a si após umas férias intermináveis ou duma doença crônica que se troca durante anos pela sanidade de estar vivo e escrevendo, pela saúde que significa ser escritora quando então me aproximo ressabiada, temendo o que vou ler, a quem vou reencontrar.
Mas existe outro detalhe importante: encontrei essa biografia de Truman Capote na segunda-feira, 25 de agosto, depois descobri que é a data de sua morte em 1984. De forma que foi o livro – ou TC – que me encontrou.
Olhem, não existem coincidências, tomo Borges por testemunha: “Todo acaso é um encontro marcado, toda derrota é uma misteriosa vitória, toda morte é um suicídio” in Deutsch Requien, O Aleph.
TC é de 30 de setembro de 1924, da geração que nasceu nos anos vinte, a minha, emergindo em 80, só teria dez anos para produzir uma obra, entre 80 e 90 – afinal, os latino-americanos tiveram que entregar os pontos dez anos antes dos russos, mas ao fim e ao cabo e em virtude da ideologia reinante, a Cultura de Mercado, todos nós, escritores ocidentais, entregamos os pontos. Não sabíamos – embora pressentíssemos que havia algo de muito errado no ar – que teríamos tão pouco tempo para o exercício do pensamento independente.
Ele era duma geração de escritores imediatamente posterior à “geração perdida” da qual faziam parte Hemingway, Gertrud Stein, Fitzgerald, Joyce, que teriam entre vinte e trinta anos no entre-guerras, viviam em Paris e todos duríssimos, sem grana, algo compensado pela juventude, talento (“Viva! Estamos perdidos” – gritava Dorothy Parker) e uma atmosfera mágica, tensionada entre dois momentos que coexistiam na geografia parisiense, o Ancién Régime e a recentíssima modernidade tecnológica, isto é, o passado e o futuro conviviam no presente. Francamente. E a falta de grana não impediu que um bando deles não só ganhasse como até recusasse o Nobel de Literatura: Faulkner, Hemingway, Steinbeck, T.S.Eliot, Gide, Sartre (este recusou).
Mas a geração de TC despontou em 45-50, nos “anos dourados” da Pax Americana (que acabaram em 1989 com o colapso da União Soviética e fim da guerra fria) e deu o próprio TC, Gore Vidal, Tennessee Williams, Christophe Isherwood (uma pá de viados), J.D.Salinger, Saul Below, Philip Roth, Malamud (uma pá de judeus), Carson MacCullers, Mary MacCarthy, Joyce Carol Oates, Sylvia Plath, Susan Sontag (uma pá de mulheres), Norman Mailer, Nabokov, Antony Burgess (além de uma pá de escritores não enquadrados em-nenhuma-das-categorias-anteriores). Foram anos politicamente incorretos? E o macartismo comia solto.
Desde Other Voices, Other Rooms em 1948 até 1983, data da sua última publicação (One Christmas), Capote teve quarenta anos para realmente produzir uma obra, que atingiu seu ápice em 1964 com A Sangue Frio – embora eu a considere apenas um terço da sua grande aposta literária, se levarmos em consideração o impacto duradouro de peças como Breakfast at Tiffany’s, Os Cães Ladram, Música para Camaleões, no sentido duma verdadeira busca existencial através da linguagem e, nesse ponto, percebe-se quanto o filme Capote é uma bobagem mercadológica equivocada, exagerando a importância dessa obra para autor, como se a vida e a literatura de TC se resumisse a ela, fosse uma progressão única na direção deste livro.
Eu não queria fazer comparações estúpidas, mas elas são um fato. Não só em tempo como
Fazendo um balanço, tudo o que esses caras tiveram – juventude, talento e até dinheiro no tempo devido, nós, os contemporâneos também temos, claro, só não tivemos, agora percebo, este tempo específico – um Zeitgeist propício a que se engendrassem universos, outros universos, possíveis, diversos.
Eles tiveram esperança.