A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. (Geração Editorial), já se tornou best-seller e um dos mais vendidos da semana na “Livraria da Folha”, apesar do silêncio absoluto da mídia hegemônica a respeito. Ao contrário dos badaladíssimos Lula, minha anta , de Diogo Maynard, e O País dos Petralhas, de Reinaldo de Azevedo, ambos da Record, para os quais a mesma mídia abriu espaços inusitados. São casos sintomáticos, pontuais, de como os jornalões e a grande mídia se posiciona. Dois pesos e duas medidas, ou você está a favor ou contra nós, não importa, o “poderoso Nós” é a referência, o “nó” do big problem.
Um livro que está dando pano para mangas. Com denúncias de corrupção na venda de estatais de telefonia no governo Fernando Henrique e de lavagem de dinheiro pela família do ex-ministro José Serra, motivou um pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados. E, no Congresso, opôs os dois principais partidos envolvidos e interessados, PT e PSDB. Enquanto líderes petistas defenderam investigar o conteúdo do livro – cautelosamente, diga-se, já que a cúpula do partido procura mais subsídios quanto à forma de lidar com o assunto –, os tucanos rotulam-no sem mais aquela como “requentado” e de autor sem credibilidade.
A abertura de uma CPI foi solicitada pelo deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), delegado da Polícia Federal (PF). Nesta terça-feira (13), ele afirmou já haver coletado mais de 100 assinaturas – precisa de ao menos 177. Questionado pela imprensa: “Qual o foco do requerimento da CPI?”, disparou: “O foco são as privatizações. Elas prejudicaram o país e proporcionaram desvio de dinheiro público. É um livro importante, independentemente se o partido é o PSDB ou o PT”.
Ainda não li, mas para além das estratégias do market editorial de boas festas – presenteie com o livro mais polêmico do ano! – a pressão, inclusive policial, em cima do autor do livro, além da proposta de CPI, são indícios alarmantes e mau sinal de a quantas anda a censura econômica no país, caso o sujeito queira investigar e escrever sobre procedimentos políticos & assuntos públicos.
Ironicamente, privatização quando pública, mesmo uma década pós-FHC, vira oxímoro & tabu, favas contadas e não se fala mais nisso. Ou seja, privatizado uma vez, deixa de ser assunto público, torna-se História, entra para as apostilas do segundo grau e cai no vestibular. É tema sem reabertura, sem discussão, sem alternativas (TINA – “there is no alternative!”, segundo a nunca por demais esquecida Margaret Thatcher), salvo aquelas que o estudante – o elo mais fraco e degradado da cadeia de fatos históricos – marca com uma cruzinha e cruza os dedos pra “acertar”, afinal, quem se importa, não é mesmo?
Ele é vítima e objeto da História – contra a qual não há argumentos –, algo que acontece a despeito dele e por sobre seus ombros – e não precisamente ao contrário, quando ele, o estudante, antes de tudo, era o Homem, ergo o Sujeito da ação e dos fatos da História. E isso não faz muito tempo. Nos anos 70 e 80, ainda era assim. Ainda é. E será sempre. Não vou explicar AGORA porque tudo está errado até porque não tenho espaço. Nem tempo. Dentro da minha filosofia de anti-auto-ajuda por excelência. Afinal, NINGUÉM é autista por livre e espontânea vontade, o Autismo Sócio-Político-Econômico-Cultural não tem sujeitos, apenas objetos. E merchandising.
Felizmente, isto passa ao largo de Certos Homens, novo livro de crônicas lançado semana passada, do mineiro mais paulistano que conheço e um dos nossos grandes escritores e jornalistas, geração 70/80, Ivan Angelo.
PublicidadeDurante muitos anos editor chefe do Jornal da Tarde, figura emblemática, meio misteriosa, mais por conta da discrição & recato que outra coisa (depois percebi), quando certo dia, lá nos idos de 1996, eu estava casualmente na redação ao seu lado, enquanto organizava o fac-símile do francês Libération de 1987, O romance de um dia (editor executivo Leão Serva), jornal inteiramente escrito e produzido por escritores, nada menos que CEM – inclusive correspondentes no exterior – uma edição especial comemorativa da 14ª. Bienal do Livro (de deixar qualquer um maluco!) – e o Ivan naquela fleuma, quando irrompe no recinto, fazendo pose, charme e apressadíssimo – nesta ordem, Ruy Castro: as biografias dele andavam em altíssima, mas seu nome absurdamente não consta da edição.
Falando sem parar frases cifradas, incompreensíveis (para mim), dum estrelismo atroz, enquanto Ivan e eu, simples mortais, significativamente nos entreolhamos, silenciosamente.
Bom, entre nós, escritores existe, (ou existia) uma hierarquia não dita, e dos três ali presentes, Ivan e eu mais ou menos empatávamos, Ivan mais que eu, na época, como autores consagrados e da série rigorosamente literária (como gosta de dizer Affonso Romano de Sant’Anna, outro mineiro, poeta, o caralho, também presente na edição) – cruzes! Isso faz 23 anos! – já o Ruy, mui famoso e prestes a globalizar-se por completo, soava assim como uma nota falsa, discordante, não importa o sucesso e o que dissesse ou fizesse ou escrevesse agora ou no futuro – o Ruy não importava – se é que me entendem. Daí o silêncio sem palavras.
Voltando ao Ivan: foi o primeiro grande escritor brasileiro que conheci pessoalmente: lembro dum almoço na revista Escrita, num sábado de 1974, eu havia ganho o concurso da revista e o vi – belo, magnético, como um anjo caído! Autor de A Face Horrível, de forte cunho político sem deixar de ser grande arte, já era posteridade, incorporara-se ao DNA do Padrão Poético Literário Brasileiro e Ocidental, então o que dizer deste Certos Homens?
Da sabedoria de toda uma vida concentrada neste pequeno volume de crônicas? Que renuncia pouco a pouco, mansamente, até mesmo à Literatura enquanto Instituição? Uma sabedoria que é só particularidade, feita de pitangueiras, lembranças miúdas, vizinhanças, aproximações do amor, convivência e complicidades, que agiganta o papel da mulher e esposa já que o Escritor não tem mais tempo nem saco pro salamaleque e a memória do social, pro tempo da atualidade.
Que se refina, libertando o eterno do provisório?
Ivan: “Antigamente os homens, certos homens, usavam espelhinho no bolso e sapatos bico fino. Não sempre, mas em alguns momentos de suas vidas, sucumbiam à tentação cafajeste de um terno de linho branco. O espelho, redondo, ficava no bolsinho de cima do paletó, na altura do coração (…) Esses homens, certos homens, mandavam cartas sem pudor de confessar ciúmes ou juras; dançavam boleros com charme latino; nos bailes, puxavam do bolso uma imaculado lenço branco para não suar nas mãos das damas amadas ou pretendidas; iam à missa aos domingos e ficavam do lado de fora da igreja, como se ficar lá dentro fosse coisa de mulheres e seus maridos. E muitas vezes, antigamente, os homens, certos homens, casavam-se por amor e continuavam apaixonados até o fim da vida, alguns pela mesma mulher.”
E este Ivan Angelo, escritor, fazendo música. Longe, bem longe do latido.