A decisão recente do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil de baixar a Selic (taxa de juros referência da economia) de 12,5% para 12% ao ano reacende o debate em torno da necessidade (ou não) de o BC ser independente de influências político-partidárias. A oposição e esta instituição abstrata chamada “mercado” declararam guerra às previsões do BC: alertam para o provável surto inflacionário, logo ali na esquina, e desconfiam do caráter técnico da medida, baseada na queda da demanda internacional como remédio amargo – mas eficaz – contra a alta dos preços aqui e no mundo. Se os argumentos da turma do contra estiverem certos, pelo menos duas questões ficaram sem resposta: 1) o BC respondeu à pressão de quem e por quê?, e 2) poderia ser diferente, ou seja, um Banco Central independente é possível (e desejável) ou só em teoria?
Em relação à primeira pergunta, apesar de estudos acadêmicos oferecerem fortes evidências de que os BCs no mundo têm mais probabilidade de sofrer influência política em época eleitoral, o Executivo pode ter cedido às pressões desenvolvimentistas da indústria. Com a Selic relativamente mais baixa, as empresas conseguem crédito mais barato junto ao sistema financeiro. Além disso, quem exporta se beneficia do real menos forte (com a Selic menor, há menos incentivos para a entrada de dólares no país, o que contribui para a desvalorização do real). Ou seja, o Banco Central optou por ignorar o retrovisor inflacionário ao cortar a Selic em meio ponto percentual para que o carro – a economia – não perca muita velocidade: a paisagem cinzenta que o BC vê está à frente e o motorista pisa no freio. Em economês: o Banco Central não reagiu ao IPCA acumulado, que já ultrapassa o teto da meta de inflação, de 6,5%, inaugurando um novo capítulo (meio forçado), de taxas de juros descendentes. Agora, para o bem da credibilidade do BC, é bom que o cenário de desaceleração da economia mundial se concretize…
Já sobre a segunda pergunta, em primeiro lugar, é preciso enfatizar que independência não é variável binária, mas questão de grau. Um Banco Central é mais ou menos independente do Executivo em relação aos outros BCs – em linhas bem gerais: política, técnica e financeiramente; com mandatos não-coincidentes com o do presidente da República; permitindo demissão somente por justa causa, e com a existência de um tribunal para resolver disputas com o governo. Enfim, a complexa lista independencista pressupõe que: 1) é muito difícil encontrar um BC independente, e 2) se determinado BC atinge o mais alto grau de independência, significa que não deverá dar satisfação dos seus atos a ninguém. Na verdade, se todos os critérios tiverem que ser preenchidos, o único Banco Central independente no mundo é o da Zona do Euro, de propriedade dos BCs dos 17 entre os 27 países que formam a União Européia. E existem dúvidas do “mercado” de que o Banco Central Europeu vai manter a independência se quiser combater eficazmente o efeito dominó da crise da dívida portuguesa-italiana-irlandesa-grega-espanhola sobre os outros países do bloco.
Esclarecido que a independência do Banco Central é quase um mito, de que tipo de BC o Brasil precisa? De um banco com, acima de tudo, independência operacional completa – para que haja menos dúvidas de que determinada decisão foi ou não política (não haver dúvida é virtualmente impossível). Em outras palavras, é inaceitável que os mandatos do presidente e dos diretores do Banco Central do Brasil sejam indefinidos (‘margem’ de 100% de indicação política) e que qualquer motivo seja motivo para demissão (idem). Somente com independência operacional irrestrita (que o Brasil ainda não tem), faz sentido cobrar do BC a taxa de inflação ótima, firmada em contrato por partes operacionalmente independentes. Assim como cobrar do presidente e dos diretores do Banco Central desempenho para continuar na função, enquanto as metas estiverem sendo atingidas. No caso do Brasil, já saímos da meta inflacionária, mas, infelizmente, pelas instituições que existem hoje, a cobrança não é legítima.