Tenho um gênio chamado Marisete, às vezes ele se transforma num vampiro. Ontem, logo que acordamos ( antes mesmo da proverbial mijadinha), ele/ela sussurrou-me a seguinte maldade: “Duas semanas para viver vinte anos não é nada / sobretudo para um vampiro quem tem uma eternidade inteira para ser jogada na lata do lixo”.
– Oh, ilusão, Marisete!
Uma eternidade é ninharia/ Quando o amor brota lá do fundo do lixo/ e empesta a vida, uma eternidade é menos que as sobras do bandejão, não vale uma fruta podre.
Nem você, nenhum vampiro, nenhuma eternidade metida a besta vai dar conta do amor demais. Nem sou eu quem vai revirar o lixo e separar placentas desamparadas de seringas descartáveis. Esqueça, meu gênio.
Uma eternidade – disse pra ele: – É ninharia quando o amor escorre feito chorume do lixo /: nesse ponto, corre-se o risco de o “para sempre” durar um segundo e não terminar nunca mais: tamanha dor/ A dor que causei / quando traí você e minhas meninas – comigo mesmo/
Essa é a questão. Perdi as garotas porque não sei fazer cálculos/ nem sequer tenho o controle dos líquidos que escapam do meu próprio cadáver: não tenho as medidas do sofrimento, nem do que sinto/ nem do que faço afligir nos outros, manja o lixão? Tamanha dor. Então, meu amor é chorume, aquele líquido viscoso que escorre do lixo: sou meu próprio biodigestor/ da merda que é minha vida/ vidinha vivida aos soluços/ aos trancos/ minúscula/ dentro de uma eternidade igualmente mesquinha e apodrecida, assim é que me reinvento e deixo herança: filetes de alma e carniça misturados pelo caminho/
“Maldito vodum” – acrescentou Marisete.
Olha só minhas asas: marrons, atrofiadas. Sem falar do inchaço nas canelas / ah, minhas vergonhas injustificáveis e os entraves de sempre/ que porra! / elas moram longe pra caralho. Não pretendo visitá-las!
Sabe, Marisete, o espelho de casa é tão inútil quanto a elegância que carrego comigo/ incrível: mas apesar de tudo, sou um cara elegante: lá do fundo do azedume e dos CDs do Benito di Paula / que não servem pra nada senão para embalar meus hinos absurdos/ e dar um verniz à minha pauta fajuta, sou elegante sim/ em decomposição/ tenho estilo e ritmo, avenidas derramadas e as cinzas das quartas-feiras/ e perfuro sacos de lixo com meu amor adiposo / um canastrão tagarela/ percolado e carente/
“Al dente” – Marisete fez a rima só pra me azucrinar….
Afinal, o que as garotas, lindas & jovens, cheias de vida & filhos únicos, o que elas teriam visto nesse tiozinho? /
“Que só fez desperdiçar o amor das pobres criaturas”
– Até o bagaço,eu diria. “O amor” – vaticinou Marisete: – “não é igual à eternidade mesquinha que consome os inexperientes/ feito comida estragada / aos soluçinhos: você é o vampiro das matinês dessas garotas”.
Voilà! Às vezes, Marisete enche o saco. Às vezes acerta no alvo: sou o Conde Drácula das matinês dos amores abortados, mas afinal:
Por que vocês cismaram com esse tiozinho que faz escorrer chorume de suas coxas / esse chupador de cu que nem bem dá no couro/ e tira o pau pra fora / como quem não enxerga o próprio fantasma diante no espelho?
O meu amor é fedentina. O que eu faço é apenas controlar a respiração/ e incensar o horror de seus corpos em surto/ Um mestre-zen tem que saber se pirulitar. Isso foi ela, Marisete, quem me ensinou: a sair fora, pirulitar, dar o pinote. Um pouco pra zoar com vocês antes de gozar/ na órbita de seus olhos esbugalhados/ de anjinhos barrocos/ bastante pelo prazer da sacanagem/ e outro tanto por pura covardia/ e medo. E é só;
O que vocês viram nesse animalzinho eterno ? Que não sabe amar menos que amar demais?/ e mais até: o que vocês querem desse jardineiro que aduba as flores negras de suas esperanças com gás metano? O que escolhem, afinal: a explosão,o amor irrestrito, a eternidade ou as avencas colhidas do meu aterro sanitário?